Municípios mineradores terão prejuízos de R$ 2,5 bilhões na arrecadação de ICMS com a Reforma Tributária
As cidades mineradoras e impactadas pela mineração, de todo o Brasil, estão correndo risco de entrar em estado de calamidade. Isso porque o texto da PEC 45/2019, que trata da Reforma Tributária, aprovado pelo Senado e que está para ser votado na Câmara dos Deputados, trará prejuízos de, aproximadamente, R$ 2, 5 bilhões na arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). O número foi levantado pelo setor tributário da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG), apresentado na primeira reunião do Fórum Municipal para o Desenvolvimento Mineral, que iniciou os trabalhos no final de novembro. A associação utilizou como base de cálculo as 54 cidades de 8 estados brasileiros, associadas à entidade.
O ICMS é o principal tributo de competência estadual que é dividido para as cidades de acordo com o Índice de Participação dos Municípios (IPM). Do total arrecadado pelo estado, 25% do imposto retorna aos municípios de acordo com seu índice de participação, apurado pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) com base nos critérios definidos pela Constituição Federal e Legislação Estadual.
A legislação atual, prevê mínimo de 65% para o VAF – Valor Adicionado Fiscal (VAF), 10% para educação e 25% restante de acordo com a lei de cada estado. “Em regras gerais, o VAF é apurado pela diferença entre as saídas (vendas) e as entradas (compras) de mercadorias e serviços (fato gerador do ICMS) de todas as empresas localizadas no município”, explica Rosiane Seabra, consultora tributária da AMIG.
A PEC 45/2019 substitui cinco tributos considerados “disfuncionais” pelo governo federal (ISS, ICMS, PIS, COFINS e IPI) por um IVA dual (Imposto sobre Valor Agregado), formado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no âmbito dos estados e municípios, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS), na esfera da União. Com isso, os critérios mudam. Os municípios deixam de receber o VAF e o IPM passa a ser calculado referente à população (80%), igualitário (5%), educação (10%) e meio ambiente (5%).
“Segundo levantamento que fizemos na AMIG, com os municípios associados, a mudança proposta trará prejuízos de até 90% na arrecadação de ICMS”, alerta a consultora. Foram feitos cálculos nas cidades associadas à AMIG, com base no ICMS arrecadado em 2022. A cidade mineira de São Gonçalo do Rio Abaixo, por exemplo, arrecadou de ICMS, em torno de R$ 103 milhões, com o cálculo baseado na PEC45 esse valor cairia de R$9 milhões, aproximadamente, ou seja, 91% a menos. Já Conceição do Mato Dentro (MG) recebeu R$ 155 milhões, passaria a receber R$16 milhões, queda em torno de 90%. Congonhas (MG) recebeu, em 2022, R$241 milhões, com a mudança o valor passaria para R$34 milhões, um déficit de 85,86%. Canaã dos Carajás (PA), uma das maiores potências da mineração brasileira arrecadou R$385 milhões, com a PEC 45 esse valor cairia para R$36 milhões, ou seja, mais de 90% de prejuízo. Parauapebas, também no Pará, arrecadou R$593 milhões no último ano, com o IVA receberia apenas R$117 milhões , uma queda de 80%.
“Está nítido que a Reforma Tributária, caso seja aprovada como está, inviabiliza a gestão desses municípios, criando-se verdadeiro caos econômico e social, com reflexos muito ruins para o próprio segmento da mineração, que terá aumentada da pressão local e, até mesmo, questionada a conveniência de ter seu território explorado”, destaca José Fernando Aparecido de Oliveira, presidente da AMIG e prefeito de Conceição do Mato Dentro (MG).
Ele ressalta que desconsiderar a pujança econômica, materializada atualmente no VAF, será um dos maiores equívocos da Reforma Tributária. “Não podemos punir os municípios que vem “fazendo o dever de casa”, criando ambiente para o desenvolvimento econômico local, especialmente aqueles que se valem da utilização da riqueza geológica dos nossos territórios, que junto com esses benefícios trazem, também, desafios extras para a cidade, principalmente no que diz respeito às políticas públicas nas áreas da saúde, educação, saneamento, segurança pública, infraestrutura, habitação, dentre outras”, alerta José Fernando.
Prejuízos na exportação mineral – Diante da complexidade técnica da PEC 45, a AMIG contratou o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – Cedeplar, ligado à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, para elaborar um estudo de avaliação da atual estrutura tributária da mineração no Brasil. A pesquisa teve como objetivo avaliar os impactos da PEC nas atividades mineradoras, além de identificar e descrever as estruturas tributárias de países com significativas atividades mineradoras.
Na PEC, está mantida a estrutura tributária das atividades exportadoras (LC 87/1996 – Lei Kandir), não existindo nenhuma discussão a respeito de tributos sobre atividades econômicas não renováveis e com marcantes efeitos negativos sobre o meio ambiente. Embora o Brasil seja o 2º maior exportador de minério de ferro do mundo, ocupamos a 9ª posição entre os países produtores de aço, ou seja, a despeito dos benefícios gerados pela Lei Kandir, quando de sua criação, em 1996, com o objetivo inicial de fomentar a produção nacional, promover exportações e colocar o país de forma vantajosa no campo do comércio internacional, o que se viu no segmento extrativista foram efeitos perversos.
“Deixamos de incentivar e fomentar a verticalização e a diversificação da indústria siderúrgica nacional, diminuímos a pujança dos estados-membros da Federação, que perdem triplamente ao não arrecadar o ICMS decorrente da exportação; ao não ter a compensação devida pela União; e ao fato da não incidência prevista no art. 155, §2º, X, “a” da Constituição Federal impossibilitar, por óbvio, a arrecadação, mas não evitar a geração de crédito tributário. Ou seja, a empresa não paga o ICMS, mas tem crédito gerado a seu favor”, explica Waldir Salvador, consultor institucional e econômico da AMIG.
Para se ter uma ideia, em 2020, depois de anos de intensa disputa entre estados e União, o STF homologou um acordo que trata das compensações e que já alcançaram a cifra de mais de R$ 60 bilhões. Os dados apresentados no estudo do Cedeplar demonstram que, entre 2012 e 2022, houve uma estagnação no volume das exportações de minério de ferro.
A pesquisa ainda confirma a percepção de baixa tributação. A indústria extrativa mineral tem a menor contribuição em termos de ICMS, impostos e contribuições registrados nas análises. O estudo mostra que a extração de ferro recolhe 0,94% do faturamento bruto com ICMS, a indústria de transformação recolhe 7,89% e a indústria como um todo são 7,40%. Se for considerado todos os impostos e contribuições, estes valores são de 5,12%, 15,07% e 14,34%, respectivamente. Portanto, a extração de minério de ferro recolhe apenas 12% do ICMS pago pela indústria de transformação, 12,7% do recolhido pela indústria como um todo.
Waldir Salvador ressalta que a proposta apresentada pela PEC 42/2019 não extingue todos os benefícios tributários em relação a todos os produtos exportados. Ao contrário, se resume apenas a produtos minerais primários. “Ou seja, nossa riqueza não renovável, de safra única, que não sofre nenhum processo de beneficiamento e industrialização em território nacional serve como insumo para a indústria siderúrgica de outros países, especialmente a China.”
Ele acrescenta que o estudo do Cedeplar “desnuda uma falácia repetida à exaustão e pouco avaliada tecnicamente de que o “custo Brasil” (carga tributária e CFEM) cobrada dos empreendedores minerários estabelecidos no país são altas e retiram a competitividade do produto no mercado internacional”, alerta.
A AMIG está atuando, fortemente, para reverter os terríveis impactos da PEC 45 que podem colapsar os municípios brasileiros. “Hoje, representamos cidades mineradoras e impactadas de oito estados brasileiros, que juntos correspondem a 87% de toda a produção mineral do país. Não vamos ficar de braços cruzados assistindo nossas cidades rumo à falência. Isso vai empobrecer os municípios e impactar profundamente serviços essenciais que as prefeituras devem oferecer à população, como saúde, educação, segurança e infraestrutura”, ressalta o presidente da associação.
José Fernando enfatiza a importância dos municípios se unirem. “É preciso ação, urgente. Os prefeitos precisam cobrar uma atitude por parte dos deputados federais para que eles não permitam que essa barbárie seja aprovada”, pontua.