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O cancelamento unilateral dos planos de saúde é legalmente possível?

Apesar de possível, a Jurista do CEUB considera a rescisão unilateral e sem motivo como abusiva, já que configura a potencial violação do princípio constitucional de proteção à vida

O caso da paciente de 102 anos Martha Zequetto Treco, que foi surpreendida por um e-mail cancelando a sua permanência no plano de saúde, acende um alerta. A senhora paga R$ 9.300 de mensalidade, é usuária desde 2009 e sofre com infecção bacteriana hospitalar resistente que demanda antibióticos aplicados de forma intravenosa. A idosa também enfrenta dificuldades para engolir, se locomover e está com um tumor na mama. Daniella Torres, professora de Direito e especialista em Direito Médico do Centro Universitário de Brasília (CEUB), explica o que pode levar ao cancelamento unilateral por parte das operadoras de saúde e como a legislação brasileira vigora nesses casos.
Segundo Daniella, as operadoras de Plano de Saúde desempenham função fundamental para a manutenção da saúde de seus contratantes. Porém, em situações adversas, o ideal de “proteção” e “segurança” é convertido num imenso obstáculo aos conveniados, sendo a vida de um beneficiário submissa às decisões da operadora. Na visão da especialista em Direito Médico, o bem-estar da Sra. Martha Zequetto Treco foi posto em xeque ao ser submetida a decisões arbitrárias. “Casos como esse não são isolados, uma vez que há um aumento crescente de pessoas que estão em tratamento sob custeio do plano de saúde e, de maneira inesperada, têm o convênio cancelado de forma unilateral.”
A docente do CEUB afirma que existe um entendimento judicial, sob uma perspectiva normativa, quando o contrato firmado para a obtenção de um plano de saúde aborda um direito fundamental associado à dignidade da pessoa humana, que deve ser interpretado sob a ótica de quem é atendido pelo serviço. “Segundo os termos do Código de Defesa ao Consumidor, o acordo celebrado deve preservar a vida, saúde e segurança do conveniado. Porém, ao analisar a legislação brasileira vigente, os planos de saúde apresentam disposições normativas detalhadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que também abordam a rescisão contratual nos diferentes tipos de planos de saúde, incluindo a possibilidade de ruptura do contrato de forma desmotivada”, alerta Daniella Torres.
A Resolução Normativa nº 379/2015 da ANS elucida que nos contratos firmados para a obtenção de planos individuais ou familiares, a operadora poderá rescindir o contrato em caso de fraude ou por não pagamento de mensalidade a partir de 60 dias consecutivos, nos últimos doze meses de vigência do contrato. “É importante salientar que, nessas situações, o consumidor deve ser notificado até o 50º dia da inadimplência e não há disposição sobre a dissolução unilateral do contrato por parte da operadora”, destaca.
Já nos casos de planos coletivos por adesão, como o da paciente Martha, nos quais há uma entidade administradora que realiza a mediação entre a operadora e o cliente, e nos planos coletivos empresariais, as disposições são diferentes dos convênios individuais ou familiares, explica o estudante de Direito do CEUB, Lucas de Pádua. De acordo com as normas da ANS, a operadora pode rescindir o contrato desde que haja previsão contratual e que seja válida para todos os associados. Deste modo, está determinado que o contrato coletivo só pode ser rescindido injustificadamente após o término do período de 12 meses e com a realização de notificação prévia de 60 dias.
Linha Tênue

Segundo a docente e o estudante do CEUB, a rescisão de um contrato de plano de saúde sem motivo acaba sendo classificada como uma linha tênue, já que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a operadora não pode encerrar o contrato só porque quer, especialmente se isso prejudicar o tratamento médico do beneficiário do plano. A jurista afirma, então, que o contrato pode permitir o encerramento desde que haja um motivo válido. Em outras palavras, o plano pode ser cancelado, mas a operadora deve continuar fornecendo tratamentos médicos necessários. “Este é um direito que as operadoras têm, mas elas também têm o dever de garantir os cuidados essenciais para a sobrevivência do contratante até que ele possa sair do tratamento”, completa.

POR: Rita Moraes
Publicado em 25/04/2024