Laboratório que infectou seis transplantadas com HIV recebeu R$ 22 milhões do governo carioca em 2022
O caso das seis pessoas transplantadas que receberam órgãos infectados pelo HIV no Rio de Janeiro é o primeiro do tipo no país, relata a infectologista e coordenadora da Comissão de Infecção em Transplante da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Lígia Câmera Pierrotti.
Segundo a especialista, a detecção precoce do vírus e de outras infecções em doadores é eficaz devido aos avanços nos testes de triagem de todo o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), que permitem a identificação de diversas infecções em estágios iniciais da doação.
O Sistema Nacional de Transplante tem critérios rigorosos para o rastreio de doadores de órgãos, que seguem portarias estabelecidas em conjunto com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Todos os órgãos doadores devem passar por testes de sorologia para HIV, hepatite B, hepatite C, HTLV e outras infecções.
Além disso, o rastreio leva em conta o contexto geográfico. Por exemplo, a doença de Chagas é investigada na América Latina, mas não na Europa ou nos Estados Unidos. Já os testes para HIV, hepatite B e hepatite C são obrigatórios, e no Brasil, não se aceita um doador HIV positivo para transplante.
“E os mesmos testes são realizados para o receptor”, acrescenta Pierrotti.
Como é feita uma triagem de órgãos?
A triagem laboratorial consiste em examinar amostras de sangue de potenciais doadores para identificar infecções, como HIV e hepatites B e C.
Os exames ajudam a excluir doações que poderiam comprometer a saúde dos pacientes que esperam por transplantes. Além dos testes, são feitas entrevistas com doadores ou suas famílias e exames físicos para verificar possíveis problemas que impeçam a doação. “O Brasil realiza um número muito grande de transplantes desde a década de 60, sendo o quarto país que mais realiza transplantes de fígado e rim no mundo, reconhecido internacionalmente pela qualidade de sua atividade, sem casos de transmissão de HIV até então”, diz Pierrotti
O Ministério da Saúde define critérios técnicos mínimos para essa triagem, buscando proteger os receptores dos transplantes.
Portaria nº 2.600
A principal regulamentação relacionada ao tema é a Portaria nº 2.600, de 21 de outubro de 2009, que aprovou o regulamento técnico para o funcionamento de bancos de tecidos humanos e estabelece critérios para a triagem de doadores. Além das infecções, também é feita uma avaliação em relação a condições neoplásicas, que são tipos de câncer.
A empresa também atuava em ao menos outras 12 unidades de saúde estaduais, como hospitais, institutos e centros especializados. De acordo com informações da Secretaria de Estado de Saúde (SES), os casos de contaminação com HIV começaram a ser investigados em setembro, quando foi notificado o primeiro paciente contaminado após receber um órgão infectado.
O transplante envolveu rins, fígado e coração, e os exames de dois doadores infectados haviam dado negativo para HIV na época da morte, o que permitiu a doação dos órgãos. Somente após nove meses, um dos receptores, que havia recebido um coração, começou a apresentar sintomas e testou positivo para o vírus.
Se o doador tiver um histórico recente ou ativo de câncer, os órgãos não são utilizados. Porém, existem exceções, como alguns tipos de câncer de pele, que têm um baixo risco de transmissão.
Por isso, os testes laboratoriais são fundamentais nessa triagem. Isso inclui exames de sangue e outros testes que ajudam a identificar possíveis problemas de saúde.
Quando um doador apresenta uma infecção bacteriana, por exemplo, a doação pode ser aceita, desde que ele esteja recebendo tratamento adequado com antibióticos por pelo menos 48 horas. Agora, após o transplante, o receptor deve continuar a receber antibióticos por pelo menos sete dias.
Onde são feitas as sorologias?
De forma geral, as sorologias são realizadas em grandes centros de transplante, onde se busca garantir a segurança tanto dos doadores quanto dos receptores de órgãos.
Em alguns países, há recomendações específicas sobre como lidar com a rastreabilidade dos doadores. Em certas situações, não se recomenda rastrear todos os casos para evitar complicações. No entanto, quando surgem eventos adversos nos receptores, como infecções, a chamada vigilância retroativa é prevista e necessária.
Segundo levantamento na Transparência do Estadorealizado pelo jornal O Globo , A PCS Saleme recebeu R$ 21,58 milhõe s em empenhos autorizados pelo governo entre janeiro de 2022 e outubro de 2023, devido aos contratos firmados com várias unidades de saúde estaduais, como UPAse hospitais na Zona Oeste e Zona Norte do Rio de Janeiro.
Anvisa detectou que o laboratório não tinha kits para exames de sangue
A Anvisa descobriu ainda que o PCS não tinha kits para realização dos exames de sangue nem apresentou documentos comprovando a compra dos itens, o que levantou a suspeita de que os testes podem não ter sido feitos e que os resultados tenham sido forjados.
“Os novos testes contra HIV têm uma janela de apenas quatro semanas, o que torna o risco de contaminação muito baixo, pois são altamente sensíveis para diagnosticar o vírus”, explica Álvaro Costa, infectologista do Hospital das Clínicas da USP. “Nesse processo, é fundamental conversar com o doador, avaliar os exames e garantir que a investigação seja feita corretamente. O problema surge quando não se realiza essa avaliação completa no doador”, acrescenta Costa.
O vírus atinge principalmente os chamados linfócitos T CD4+. Ele modifica o DNA dessas células e se replica. Após se multiplicar, o HIV destrói os linfócitos e continua a infecção em novas células.
Por isso, caso não haja tratamento, ele pode causar a Aids (termo para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, em inglês).
Mas pessoas que vivem com HIV/Aids (PVHA) com carga viral indetectável, ou seja, uma baixa quantidade de cópias do vírus, têm risco ZERO de transmitir o HIV por via sexual e podem viver um vida NORMAL.
Doutor Luizinho (de pé), com a mão no ombro de Walter, marido de sua tia; no canto, agachado, está Matheus, o outro sócio da empresa
Laboratório recebeu do governo do Rio de Janeiro R$ 22 milhões em 2022
Segundo o governo do estado, o PCS Lab Saleme, uma unidade privada de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foi contratada pela SES-RJ em dezembro do ano passado, por meio de pregão eletrônico (um tipo de licitação) no valor de R$ 11 milhões, para fazer a sorologia de órgãos doados. Antes disso, houveram outras contratações.
Dr. Luizinho deixa Secretaria de Saúde do Rio para se tornar líder do PP na Câmara dos Deputados
Sócio do laboratório é primo do ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Doutor Luizinho
O laboratório tem como sócio Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, primo do ex-secretário de Saúde Doutor Luizinho, deputado federal e líder do PP na Câmara dos Deputados.
Outro sócio do laboratório é Walter Vieira, casado com a tia de Luizinho. Os dois chegaram fazer campanha para Doutor Luizinho em eleições passadas.
Doutor Luizinho deixou o cargo três meses antes da contratação do laboratório. A irmã dele, Débora Lúcia Teixeira, trabalha na Fundação Saúde, empresa pública do estado que assina o contrato com o laboratório.
O deputado foi secretário de Saúde de janeiro a setembro de 2023. Entre 2022 e 2024, o laboratório recebeu quase R$ 20 milhões em pagamentos, de acordo com dados do Portal da Transparência.
- 2022: R$ 296.895,46
- 2023: R$ 3.261.726,89
- 2024: R$ 16.114.183,89
- Total: R$ 19,6 milhões
Valores em contrato
A empresa já recebeu os R$ 19,6 milhões, desde 2022, da Fundação Saúde, que é uma empresa pública do governo do estado. Os valores foram subindo, ano a ano.
Laboratório receber verbas do governo sem contrato firmado
Os primeiros pagamentos feitos à empresa datam de agosto de 2022, pra análises laboratoriais em UPAs, como Bangu, Campo Grande e Realengo. Mas não havia um contrato sequer.
A PCS recebia a verba por meio de termos de ajuste de contas, ou TACs, da Fundação Saúde. Segundo o Tribunal de Contas do Estado, o TAC é um instrumento pelo qual a administração pública reconhece a prestação de serviços sem o devido contrato – uma modalidade de caráter excepcionalíssimo e que não poder ter a utilização banalizada.
Uma recomendação ignorada pela Fundação Saúde, que já gastou mais de R$ 300 milhões dessa forma.
Segundo a côrte de contas, um uso desmedido, que reforça a deficiência no planejamento das contratações.
Depois de receber tantas vezes sem contrato nenhum, em 2023, a empresa começou a receber os pagamentos sendo contratada. Mas sem haver concorrência, como é recomendado no setor público.
Em fevereiro do ano passado, a Fundação Saúde fechou um contrato com a empresa por dispensa de licitação.
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o erro do laboratório que causou a infecção dos transplantados ocorreu numa outra contratação, feita em dezembro de 2023.
O contrato com o laboratório anterior tinha terminado em novembro.