Assassinos do garoto baiano Lucas Terra são condenados a 21 anos em regime fechado
Mais de 20 anos após o crime que chocou o Brasil, dois pastores foram condenados a 21 anos de prisão pela morte brutal de Lucas Terra, adolescente que foi violentado e queimado vivo na Bahia em 2001.
Os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva foram condenados a 21 anos de prisão em regime fechado.
Os assassinos foram acusados e condenados de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.
Também foi mencionado o motivo torpe, o meio cruel e a impossibilidade de defesa da vítima. Cabe recurso
Relembre o caso
Em 2001, o homicídio do adolescente Lucas Terra chocou a Bahia. O menino de 14 anos foi queimado vivo e o corpo dele foi encontrado em um terreno baldio de Salvador.
Desde então, os pais de Lucas lutam para que os assassinos fossem pegos e presos. O pai do garoto morreu sem ver o final do caso. Carlos Terra morreu após sofrer uma parada respiratória decorrente de uma cirrose hepática. Ele foi um símbolo da luta pela condenação dos acusados pelo crime e chegou a acampar em frente a Fórum em Salvador para cobrar celeridade no caso.
“São 22 anos de impunidade, de abuso do tempo de espera. Esperar para que haja o julgamento de uma criança, todos esses anos, é ferir a nossa família todos os dias. Hoje, eu sinto como se não fosse uma vitória, porque quando passa muito tempo ela perde o efeito, mas eu quero que eles sejam julgados e que tenham pena máxima”, desabafou Marion Terra.
Durante esse 22 anos, a mãe de Lucas lançou livro sobre o caso do filho e estava sempre na imprensa cobrando celeridade da justiça e indignada porque os assassinos continuavam soltos e pregando na igreja Universal.
Cronologia do caso
21 de março de 2001: Lucas Terra foi para um culto da igreja durante a noite. Por volta das 22h, ligou para o pai e disse que estava com Silvio Roberto Galiza, em um templo da Igreja Universal do Reno de Deus (IURD) no bairro do Rio Vermelho. O menino não voltou mais para a casa.
23 de março de 2001: após dois dias de buscas, o corpo de Lucas foi encontrado carbonizado, dentro de um caixote de madeira, em um terreno baldio na Avenida Vasco da Gama, em Salvador.
O caso foi investigado pela Polícia Civil e os laudos de perícia comprovaram que o garoto foi espancado e queimado ainda vivo. Ele também amordaçado e teve as mãos amarradas com um pedaço da cortina utilizada nos templos da IURD. Também foram levantadas suspeitas de estupro, porém, na época o Departamento de Polícia Técnica (DPT) não constatou a violência sexual nos exames de necropsia devido ao estado do corpo, que estava totalmente carbonizado.
O resultado dos exames de DNA que constataram que o cadáver era de Lucas Terra só foi divulgado 43 dias depois. Nesse período, familiares e amigos seguiram em busca de notícias do rapaz nas ruas de Salvador.
Sete meses após a morte, a polícia concluiu o inquérito e apontou o pastor Silvio Galiza como autor do crime. Em 2004, ele foi julgado e preso em Salvador.
2006: Silvio Galiza denunciou os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva por envolvimento no crime. Ele também confirmou que o flagrante da relação sexual entre Joel e Fernando foi a motivação do homicídio. Silvio disse que recebeu ameaças dos dois pastores para que não denunciasse o envolvimento deles no crime.
2006: a primeira constituição do caso foi feita.
2008: pastor Fernando Aparecido da Silva chegou a ser preso em Recife, mas em poucos meses passou a responder o processo em liberdade.
2012: após cumprir sete anos em regime fechado, Silvio Galiza ganhou liberdade condicional.
2013: Joel e Fernando foram inocentados pela Justiça.
2015: a família de Lucas Terra recorreu da decisão da Justiça e, em setembro de 2015, os desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) decidiram, por unanimidade, que os religiosos fossem à júri popular, decisão confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
2017: o STJ negou recurso especial para os acusados, que pediram a suspensão do júri popular.
2018: o ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, anulou, por falta de provas, o processo que envolve a participação do bispo Fernando Aparecido da Silva na morte de Lucas.
2019: o pai de Lucas Terra morreu após sofrer uma parada respiratória decorrente de uma cirrose hepática. Carlos Terra foi símbolo da luta pela condenação dos acusados pelo crime e chegou a acampar em frente a Fórumem Salvador para cobrar celeridade no caso.
2020: a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva iriam a júri popular.
Detalhes da história de um assassinato hediondo
Em janeiro de 2001, o pai de Lucas, Carlos Terra, decidiu se mudar com o filho para a Itália, uma vez que Marion Terra já tinha ido. Antes de seguir mudança para fora do país, o homem quis passar um curto período em Salvador para poder se despedir de todos os amigos e familiares.
Nesse ínterim, Lucas Terra, na época com apenas 14 anos, começou a frequentar a Igreja Universal do Reino de Deus, pois não queria ficar longe de sua religião, tampouco de suas atividades. Naquele tempo, Lucas já ocupava o cargo de obreiro, cuja função é auxiliar o pastor durante um culto religioso e cuidar da rotina dentro da igreja.
Os membros da igreja concordaram que o jovem exercesse essa função, principalmente o pastor – auxiliar Silvio Galiza, que tinha 21 anos. Galiza tinha sido transferido de outra congregação há pouco tempo por problemas que nunca foram esclarecidos, tampouco vieram a público. A única explicação dada foi a de que o pastor teria apresentado um comportamento inadequado — o que já explicava muita coisa, apesar do silêncio retumbante de ambos os lados.
Segundo testemunhas o garoto era um membro muito participativo dentro da igreja e Galiza ficou obcecado por Lucas em pouco tempo, demonstrando uma atitude dominadora sobre ele. O pastor se incomodava quando Lucas ficava próximo às meninas e sempre o convidava para dormir na igreja com outros garotos, o que era desconhecido por Carlos Terra.
Os superiores do pastor transferiram Galiza para outra instituição após descobrirem que ele dormiu na mesma cama com Lucas na igreja, enquanto os outros garotos dormiam em um cômodo separado.
As testemunhas que depuseram contra Galiza foram ameaçadas por outros membros da igreja. A testemunha que era a namorada de Lucas, A.P.R.M., de 17 anos, disse que foi perseguida, humilhada e expulsa. O mesmo foi relatado pela testemunha M.O.C.
Galiza chegou a nomear Lucas como o seu auxiliar, sendo que era um cargo que sequer existia dentro da hierarquia da igreja, visto que Silvio já era um auxiliar. De acordo com o próprio homem, esse posto seria para que Lucas pudesse atuar como uma espécie de aprendiz, já que ele tinha tantas ambições futuras. Assim, o adolescente aprenderia desígnios e funções que não estavam listadas nas tarefas de um obreiro.
Para o Pastor, era apenas um pretexto para passar mais de seu tempo ao lado do garoto. Naquela altura, as intenções já haviam sido declaradas.
Segundo relatos de testemunhas muito próximas, o homem passou a demonstrar que não queria Lucas Terra mais perto de ninguém. Ele monopolizava a atenção do garoto e controlava os seus passos. Quando questionado sobre o motivo de tanta preocupação, Galiza respondia que precisava ter Lucas por perto devido aos ensinamentos que estava transferindo para ele. Assim, seria necessário que o menino o acompanhasse mais do que a própria sombra.
No início de fevereiro de 2001, Lucas Terra começou a se interessar romanticamente por uma garota que também atuava como obreira na igreja — era o primeiro amor dele. Assim que soube do envolvimento, Galiza proibiu-o de sequer se aproximar da menina, mas não era só isso. Ele não gostava que Lucas se aproximasse de nenhuma garota, deixando mais do que claro o sentimento de ciúme e posse.
No final do mesmo mês, Lucas Terra, um garoto e Silvio Galiza ficaram até tarde da noite resolvendo alguns assuntos administrativos do templo. Sob a falsa preocupação de que poderia ser perigoso demais para os garotos voltarem para casa — e ainda que fosse —, o homem sugeriu que eles passassem a noite ali mesmo. Os pais foram informados e nenhum deles viu nenhum problema nisso, afinal era o local mais seguro a se considerar depois da casa deles.
Enquanto o garoto foi deixado para dormir no banco da igreja com apenas um travesseiro, Galiza convidou Lucas para dormir em seu quarto e na sua cama. Não se sabe se o garoto foi molestado naquela noite, mas só a situação já foi o suficiente para causar uma comoção entre os membros da congregação e o encaminhamento do acontecido até os superiores. Para evitar mais burburinho e encerrar o assunto, as autoridades religiosas decidiram mais uma vez transferir Silvio Galiza e poupar uma “repercussão desnecessária”, que poderia manchar a imagem do templo.
O pai de Lucas nunca ficou sabendo do ocorrido.
Contudo, Galiza continuou a frequentar os cultos da igreja, apesar de sua moção, pois ninguém poderia impedi-lo de entrar no local como apenas um fiel. Era óbvio que o seu único interesse era manter os olhos no jovem.
No dia 21 de março de 2001, após mais uma sessão de culto na Igreja Universal, Lucas Terra conversava do lado de fora do local com alguns amigos e a sua namorada, quando foi chamado por Galiza para conversar.
Ele se despediu de todo mundo e seguiu com o homem, que o convidou para uma noite de orações que aconteceria em um templo próximo. Antes de pegarem um ônibus, às 22h09, o jovem ligou de um telefone público para o pai, avisou que estava com o pastor Silvio Roberto Galiza e devido ao horário ia dormir na Igreja Universal do Reino de Deus, no bairro do Rio Vermelho.
Quando o pai acordou na manhã seguinte, Lucas não havia voltado para casa. Carlos Terra foi procurar pelo filho na igreja, e as pessoas confirmaram que ele tinha saído com Galiza do local. Quando contatou o pastor-auxiliar, este disse que tinha deixado Lucas em um ponto de ônibus, pois ele ia para uma igreja no bairro Pituba, rapidamente contradizendo o que o próprio Lucas falou em ligação. Porém, Lucas não foi visto naquele local nem em qualquer outro.
Durante as buscas, o pastor Galiza contou versões contraditórias sobre a última vez que viu Lucas. De acordo com o promotor do caso, Davi Gallo, o pastor se encontrava próximo ao telefone a que Lucas ligou e as buscas foram “desfocadas” por informações falsas.
Em 23 de março de 2001 foi encontrado um corpo dentro de um caixote queimado em um terreno baldio na Avenida Vasco da Gama. O corpo foi posto em espera ao longo de quarenta e três dias no Instituto Médico Legal (IML), aguardando exame de DNA. Foi apontado que o corpo seria o de Lucas Terra devido a uma mecha de cabelo e partes da roupa que ficaram intactas, o que dias depois foi confirmado pelo laudo pericial da polícia. O laudo médico ainda revelou que houve tentativa de asfixiar o garoto antes que ele fosse queimado vivo, visto que havia um pedaço de pano em sua boca. Depois ele foi carbonizado a tal ponto que impossibilitou determinar a causa da morte e se houve abuso sexual ou não; este detalhe levou ao promotor crer que “certamente houve ato de violência sexual”.
Os peritos criminais encontraram no corpo restos de tecido semelhantes ao encontrado na igreja do Rio Vermelho, ligando o crime a Galiza e a Universal. Lucas foi sepultado no Cemitério Bosque da Paz. O crime ocorreu dias antes do dia em que Lucas e seu pai iriam morar na Itália, onde já vivia sua mãe, Marion Terra.
“Lucas Terra, traído pela obediência”, livro
O pai de Lucas, Carlos Terra escreveu o livro em memória do filho, narrando os fatos investigados por junto a testemunha e mentindo da Igreja Universal que o filho frequentava. Ele e a mãe sempre estavam divulgando o livro em redações de tv, jornais e locais movimentados de Salvador.
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