Exposição à tecnologia está positivamente associada com melhora na aprendizagem e inserção no mercado de trabalho, aponta pesquisa
Muito se fala sobre o potencial da tecnologia para aproximar e transformar o cenário educacional, mas se não integrada ao ensino de maneira adequada e equitativa, pode se tornar um instrumento catalisador de desigualdades de aprendizagem, com reflexos em toda a trajetória do jovem, inclusive no mercado de trabalho. Compreender a relação entre tecnologia e desigualdades, em especial na dimensão racial, é imprescindível para apoiar a elaboração de políticas públicas que promovam a inclusão e a igualdade de oportunidades. Nesse contexto, o Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI) e a Fundação Telefônica Vivo acabam de lançar a pesquisa Tecnologia e Desigualdades Raciais no Brasil, que teve como objetivo investigar desigualdades raciais no acesso à tecnologia e seus desdobramentos em diferentes etapas da trajetória escolar, desde o ensino básico até o ensino superior.
Historicamente, a participação de negros no ensino superior é inferior à dos brancos, no entanto, o estudo revela uma mudança nesse panorama nos últimos anos. Em 2009, os negros representavam apenas 34% dos matriculados na universidade, o que evidencia sua sub-representação nesse nível de ensino. Já em 2022, essa proporção subiu para 46% – crescimento de 12 pontos percentuais. A tendência sugere um movimento positivo na composição racial dos estudantes do Ensino Superior, indicando um progresso em direção à equidade racial na representação dos estudantes, uma vez que, no final do período de observação do estudo, os dois grupos raciais passaram a ter participação próxima a 50%, percentual próximo da distribuição racial da população brasileira. O aumento na presença de negros pode estar associado a uma série de fatores que ocorreram no período, como políticas de reserva de vagas, expansão do acesso ao ensino médio e regimes de financiamento estudantil e bolsas de estudo em universidades privadas. E aqui cumpre ressaltar que cerca de 90% do avanço foi impulsionado pelo aumento da participação dos negros em instituições privadas.
Os resultados revelam aumento na proporção de negros em cursos de todas as áreas do conhecimento e em todos os tipos de universidade. No entanto, ainda estão sub-representados na maioria dos cursos, em especial nos de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, na sigla em inglês), quando comparamos à população demográfica. Neles, os negros representam 42% do total de matriculados, enquanto nas formações não-STEM, essa participação é de 47%. Em outras palavras, embora a presença dos negros esteja crescendo nas duas áreas, a disparidade em relação aos brancos é maior nos cursos STEM, atingindo 13,7 p.p., e 3.9 p.p nos não-STEM.
“Essa diferença é relevante porque o acesso desigual a cursos de maior prestígio e melhores perspectivas de emprego pode limitar oportunidades profissionais e contribuir para as disparidades salariais observadas posteriormente na carreira”, explica Michael França, Coordenador do NERI. “O Estado pode perpetuar desigualdades de várias formas, incluindo com disparidades nos investimentos na infraestrutura escolar. Ao oferecer aos negros menos acesso à tecnologia, o Estado se torna uma fonte relevante de reprodução das desigualdades educacionais e socioeconômicas preexistentes”, acrescenta.
A pesquisa também traz evidências sobre como essas disparidades estão presentes desde o início da trajetória escolar dos estudantes. Olhando para a educação básica, o estudo avalia o acesso de alunos a tecnologias considerando a presença de infraestrutura adequada nas escolas e seu uso pelos professores para fins pedagógicos. Os resultados indicam desigualdades raciais relevantes nessas duas dimensões, mensuradas a partir de dados do Censo Escolar e do Saeb. O levantamento mostra, por exemplo, que um aumento de 10 pontos no índice de exposição à tecnologia no 5º ano do Ensino Fundamental está associado a uma nota 18,5 pontos maior em matemática (em uma escala de 0 a 500). No recorte racial, alunos negros do mesmo ano, obtêm, em média, 14,5 pontos a menos em matemática em relação à média Brasil, quando comparados com alunos brancos com o mesmo nível de exposição à tecnologia. Essa distância cai para 4 pontos quando são comparados alunos das mesmas regiões e com as mesmas condições socioeconômicas. Esses fatores mostram que a diferença de desempenho entre negros e brancos está fortemente relacionada a fatores sociais e regionais, que são reflexo de disparidades raciais históricas.
Esse é um resultado que reforça a importância de políticas públicas que busquem equalizar a distribuição de recursos no País. “É essencial que sejam feitos investimentos específicos em regiões onde a população negra é mais representativa. Alunos pretos de escolas do Nordeste e Norte, por exemplo, não têm as mesmas oportunidades que estudantes brancos do Sul e Sudeste”, explica Lia Glaz, diretora-presidente da Fundação Telefônica Vivo. No que se refere à exposição à tecnologia, Lia ainda reforça a importância de garantir uma educação básica de qualidade para que o aluno chegue apto para ser inserido no mercado de trabalho. “Nesse sentido, é essencial olharmos para o desenvolvimento de competências digitais de estudantes e educadores. Mais do que sobre ter tecnologia, estamos falando sobre como usá-la para que ela realmente gere impacto na vida dos jovens dentro e fora da escola”, completa.
Os resultados do estudo reforçam a importância de políticas públicas com um olhar atento à redução de disparidades desde a educação básica e que promovam oportunidades equitativas no acesso a equipamentos e a professores que efetivamente incorporem a tecnologia em suas práticas pedagógicas, levando em conta as especificidades de cada contexto.
Para acessar o estudo completo, basta acessar o site da Fundação Telefônica Vivo.
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