“Minha Perna, Minha Classe” traz vida e luta de Manoel da Conceição e está disponível no YouTube
Lavrador, camponês, ferreiro, educador, sindicalista, ambientalista, pensador da luta por igualdade e reforma agrária, líder político, que foi preso, mutilado, torturado e exilado pela ditadura. Esse universo multifacetado do maranhense Manoel da Conceição (1935-2021) é tema do documentário Minha Perna, Minha Classe.
O filme foi lançado, em São Paulo, no dia 18/03, na Cinemateca Brasileira, na Vila Mariana, e teve debate e exibição no auditório Milton Santos, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, no dia 20/03, para os alunos da universidade. A partir de 22 de março está disponível no YouTube.
Arturo Saboia (direção e roteiro) e Cassia Melo (produtora executiva) têm, no currículo, dentre outros prêmios, 6 Kikitos, no Festival de Gramado, pelo curta Acalanto (2013), o primeiro e já bem-sucedido trabalho da dupla. Para retratar a vida e luta desse líder incansável, a equipe se debruçou sobre pesquisas, entrevistas, depoimentos, documentos de época e visitas às locações marcantes da trajetória de Mané da Conceição, como era conhecido. O projeto conta com a Lei de Incentivo à Cultura, patrocínios do governo do Estado do Maranhão e Grupo Mateus e realização da Climax Filmes e Oito Projetos Criativos.
Subversivo indomável. Assim se definiu o próprio Manoel da Conceição, em entrevista histórica ao jornal O Pasquim. Primogênito de um casal de lavradores, Manoel nasceu, em 1935, em Pedra Grande (MA). Manoel e sua família foram expulsos diversas vezes das terras que cultivavam. Na década de 1950, com o apoio do Movimento de Educação de Base, o MEB do educador Paulo Freire, Manoel conseguiu se alfabetizar, se politizar e ter consciência da exploração e da injustiça do latifúndio. Em 1963, fundou e foi eleito presidente do primeiro sindicato de trabalhadores rurais do Maranhão, o Pindaré-Mirim. Com o golpe de 1964, o sindicato foi dissolvido e Manoel passou um mês preso, junto com outras lideranças. Em 1967, vincula-se à Ação Popular (AP) e, apesar da repressão, mantém o sindicato atuante. Em 1968, a Polícia Militar invadeo sindicato e Manoel é baleado no pé. Preso sem qualquer tratamento por uma semana, Manoel perde a perna direita gangrenada. Na época, o governo tentou silenciar Manoel, que respondeu: “Minha perna é minha classe”. O resto é história.
“Tive a ideia de fazer este filme quando conheci Manoel da Conceição, há 20 anos, ao fazer uma pesquisa de locação. Foi um privilégio. Acabei viajando com ele por comunidades, assentamentos e aldeias no interior do Maranhão. Há 2 anos, em plena pandemia, resolvi transformar o sonho em realidade e chamei para o projeto um roteirista com esse olhar pungente, o cineasta maranhense Arturo Saboia, colega de longa data. E a ideia não é parar no documentário. A vida do Manoel rende uma série e precisa ser propagada, porque se funde com a própria história do país”, destaca a produtora Cassia Melo. Paulista de nascimento e publicitária de formação, Cassia começou sua carreira no audiovisual com o cineasta Fernando Meirelles, na O2 Filmes, e não parou mais. Há 20 anos, atrás das raízes paternas, se mudou para o Maranhão e fundou a Oito Projetos Criativos. A produtora é pioneira, em São Luís, em alavancar projetos culturais e esportivos por meio de leis de incentivo. E, agora, segundo ela, lança o projeto da sua vida.
O documentário Minha Perna, Minha Classe refaz o percurso da infância de Manoel, permeada de violência na zona rural do Maranhão, ao retorno ao Brasil pós-exílio na Suíça. Dentre os destaques, a viagem de Manoel à China, onde fez cursos e se aprofundou no pensamento maoísta; o ano de 1972, quando foi preso novamente e brutalmente torturado, no Rio de Janeiro, com sequelas para toda a vida e, 1979, com a Anistia, quando regressa ao Brasil e se engaja na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Manoel foi o terceiro militante a assinar a ficha de filiação do partido, ao lado de Mário Pedrosa e Apolônio de Carvalho. Ele contribuiu, ainda, ativamente na fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (Centru) e da Escola Técnica Agroextrativista (ETA).
E, por fim, uma outra faceta de vanguarda, o Manoel ambientalista. No retorno ao Brasil, ele ampliou ainda mais a sua luta, defendendo o agroextrativismo e a coexistência entre homem e natureza. “O documentário está sendo lançado num momento mais do que oportuno. Nos últimos anos, o discurso de ódio e violência varreu o país. Manoel nunca pregou o uso violência. Pelo contrário, foi vítima dela. O que ele pregava era uma estratégia de luta para aprender a se defender e isso passava pelo conhecimento da terra e da natureza”, explica o diretor Arturo Saboia, o jovem cineasta maranhense já coleciona 70 prêmios no Brasil e no exterior. Dentre eles, o de melhor filme pelo curta Farol (2018), no Los Angeles Film Awards. O diretor acredita que este é o seu trabalho mais desafiador no gênero do documentário, seja pela complexidade do personagem, seja pela escassez de registros fotográficos e vídeos de época, em razão da clandestinidade da luta de Manoel da Conceição. No estilo, uma inspiração: “uma das minhas maiores referências no documentário é Eduardo Coutinho. Sou profundo admirador de sua obra, em especial Cabra Marcado para Morrer. Ambos os filmes têm assuntos similares, como a violência no campo”.
“Minha perna é minha classe”, a frase que batizou o documentário está espalhada em várias partes do mundo e virou lema. Mesmo tendo conhecido de perto a dureza da prisão, da tortura e do exílio, Manoel continuou firme em sua utopia de um mundo melhor e com justiça social. Inspiração para diferentes gerações na luta contra a opressão.
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