Terapia CART-T Cell: paciente paulista teve remissão total do câncer
O paciente Paulo Peregrino passou por um tratamento considerado revolucionário no combate a leucemia. O caso ganhou manchete na imprensa em março deste ano, quando Paulo completou um ano do tratamento, em 24 de março. “Tomei um vinhozinho só para comemorar. A celebração desse meu aniversário, por uma coincidência entre astros, ela cai exatamente no início da semana santa, que é a semana da ressurreição”.
Estudo no Brasil
No Brasil, a técnica em estudo é indicada apenas para pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B que não responderam ou apresentaram o retorno da doença após a primeira linha de tratamento convencional, como quimioterapia e o transplante de medula óssea.
A Ministra da Saúde, Nísia Trindade participou do lançamento do estudo Car-TCell. A cerimônia aconteceu dia 21 de março, no Núcleo de Terapia Avançada (Nutera) no Hemocentro, que fica no campus da Universidade de São Paulo (USP), e contou com a participação de outras autoridades, como o secretário de Saúde de São Paulo, Eleuses Paiva.
Segundo a ministra, o objetivo da pesquisa é fazer com que o tratamento chegue à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, no futuro, possa abranger mais doenças, além da leucemia linfoide aguda de células B e do linfoma não Hodgkin de células B, inicialmente alvos do estudo. “Esse estudo clínico envolvendo 81 pessoas, multicentro, envolvendo as competências da USP de pesquisa, inovação e tecnologia, como é o caso do Butantan, da Unicamp, do Sírio Libanês, certamente nos permitirá fazer chegar à população um tratamento revolucionário para tipos de câncer como linfomas, leucemia aguda, como já foi colocado aqui, e de outras doenças. Essa tem que ser a visão maior da ciência e tecnologia no SUS, né? Salvar vidas, garantir essas condições para os pacientes, o que representa também uma economia, como já foi dito aqui, muito importante para que possamos abranger novos tratamentos”.
Custos altos do tratamento
Há um desafio considerável no caminho: o custo. Em média, por paciente, esse tratamento custa aproximadamente R$ 2 milhões.
A terapia por células CAR–T é feita a partir da coleta de células T do sistema imunológico. Depois, é preciso levar o material a uma central especializada – todas até o momento são fora do Brasil –, fazer ali a modificação genética e trazer de volta, para então infundir no paciente.
ssa realidade torna o tratamento menos acessível tanto no sistema de saúde público quanto no privado. O tratamento é um processo dos mais complexos: exige a modificação genética e o cultivo industrial das células CAR-T, e para isso são necessários laboratórios especializados e ambientes classificados. Células CAR- T são células do sistema imunológico aperfeiçoadas no laboratório e são extremamente eficiente na destruição dos tumores.
E não se trata de um tratamento caro apenas no Brasil: ele impõe custos altamente restritivos na maioria dos países. O Brasil, no entanto, tem diante de si uma oportunidade única de introduzi-lo no Sistema Único de Saúde (SUS) no curto prazo e com significativa economia. Uma versão nacional dessa tecnologia foi desenvolvida pelo grupo de pesquisa do Centro de Terapia Celular (Cepid- Fapesp-CNPq-USP) de Ribeirão Preto. Em 2019 foi realizado o primeiro tratamento bem-sucedido num paciente com linfoma. Desde então, mais 13 pessoas com leucemias e linfomas de células B foram tratadas, também com resultados extremamente positivos – uma delas, inclusive, ganhou recentemente amplo espaço na mídia, repercutindo em todo o País.
Eu ainda estou, assim, raciocinando o que que é chegar a um ano de vida. Porque quando eu tinha um ano de vida realmente, uma idade cronológica, eu não podia pensar nisso. Hoje posso pensar. Estou numa vida nova, voltando ao meu voo. Esse meu primeiro ano de vida, apesar do corpinho de 62″, completa Paulo.
Praia, vôlei e família
Desde que saiu do hospital em São Paulo e voltou para casa em Niterói (RJ), em julho, Paulo retomou a rotina com exercícios para tentar recuperar massa corporal. Retornar carregando sozinho suas próprias malas teve um significado importante.
Entre as atividades na nova rotina está a caminhada com a cadela Aretha pelo condomínio, praticamente diária. Na época do retorno para casa, Aretha estava no quintal e só reconheceu o dono depois de uma cheirada e uma lambida.
“A Aretha não descola de mim. Chamo ela de ‘bola de ferro’, é como se tivesse amarrada no meu tornozelo. Eu estou tentando sair todo dia com ela. Outro dia a gente foi à praia e a levou. Ela entrou na água e tudo.”
Em novembro, Paulo celebrou os 62 anos em um bar com a família, amigos da escola, faculdade e do vôlei, totalizando 106 pessoas presentes. “O negócio foi tão animado que fizemos trenzinho da alegria e cantamos Balão Mágico. Comprei dois bolos enormes. Este ano para mim se resume na seguinte palavra: gratidão. Quando eu for cumprimentar as pessoas no Réveillon, este ano pra mim vai ser expresso e finalizado com a palavra gratidão. É a base da felicidade. Isso que eu aprendi.”
Aos fins de semana, ele voltou a treinar vôlei de praia com os amigos. No começo deste mês, disputou um campeonato da modalidade com os colegas. Apesar de a equipe ter ficado em último lugar, Paulo levou para casa o “Troféu Superação”, um modelo de madeira que ganhou do grupo.
“Eu quero voltar a jogar um vôlei pelo menos razoável, né? E estava um sol naquele dia [do fim do campeonato], um sol escaldante de fritar ovo no asfalto, e eu joguei. Isso faz parte de toda essa amizade, essa energia positiva que me dá muito orgulho. Fiquei muito feliz em poder estar presente”, conta.
Aos poucos, o publicitário tenta retomar a rotina e ajudar quem entra em contato pelas redes sociais pedindo conselhos e informações sobre a luta contra o câncer. Os próximos exames de Paulo serão realizados em abril de 2024
A técnica CAR-T Cell combate a doença com as próprias células de defesa do paciente modificadas em laboratório e faz parte de um estudo que usa verbas do Ministério da Saúde, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Paulo fez parte de um grupo de pacientes tratados de forma compassiva, ou seja, por meio de uma autorização da Anvisa, de forma individualizada, para pessoas que já tinham esgotado todos os tratamentos aprovados possíveis.
Antes dessa terapia, ele havia passado por procedimentos cirúrgicos, dezenas de exames e quimioterapia.
13 anos ‘tocando em frente’
Uma linha do tempo ajuda a nortear as idas e vindas dos tumores de Paulo (veja abaixo). A família é de Recife, mas se mudou para o Sudeste na década de 70. Ele é o caçula entre 10 irmãos. Foi o primeiro a enfrentar a doença.
Livro no leito e cegueira temporária
Em 2020, a pandemia de Covid isolou Paulo num quarto de hospital. Ele tinha passado por um transplante de medula óssea. Sem acompanhantes, sozinho, no entanto, não ficou. Pediu à enfermeira os contatos dos pacientes de quartos vizinhos e criou um grupo por WhatsApp, o “TMO Juntos” (trocadilho de “transplante de medula óssea” com TMJ de “tamos juntos”).
O grupo era formado por ele, um idoso com a esposa e uma adolescente de 17 anos, que dividiram histórias, se motivaram e trocaram músicas durante o isolamento.
Dentro dos 30 dias, Paulo fez o pré-lançamento de “Brizola e eu”, um livro “banhado” a álcool e autógrafos. O esquema era: a esposa entregava os exemplares à enfermeira, o álcool higienizava os livros, ele assinava, e os exemplares eram levados para amigos e parentes.
O livro conta a biografia de Jecy Sarmento, um dos principais assessores e amigos do ex-governador Leonel Brizola.
O fim daquele ciclo na internação foi marcado por um bolo levado como surpresa pelas enfermeiras.
A contaminação por Covid veio em 2022, durante uma internação devido a uma queda nas plaquetas — quanto menor a contagem delas, maior o risco de sangramento intenso. A tosse forte causou uma hemorragia interna nos dois olhos e uma cegueira temporária de três meses.
Mudança de tratamento
Pesquisas na internet levaram a família ao CAR-T Cell e ao médico Vanderson Rocha.
“Comecei a acompanhá-lo quando já tinha feito uma grande parte do tratamento. A doença voltou, então, a última opção dele realmente era o CAR-T Cell. Tive que pedir autorização da Anvisa para a gente poder fazer esse tipo de tratamento. Muitos pacientes não têm essa oportunidade”, afirmou anteriormente o especialista.
Paulo lembra que teve febre no primeiro dia em que as células modificadas foram aplicadas no corpo, e chegou a ir para a UTI para ser monitorado.
“Senti um pouco de dormência nas mãos, mas tive acompanhamento antes, durante e depois de toda a equipe multidisciplinar do HC, em São Paulo.”
Estudo busca 81 novos pacientes
O estudo clínico para CAR-T Cell é financiado pelo Ministério da Saúde, com apoio de estrutura por parte do Butantan e investimento de pesquisa da Fapesp e do CNPq.
Segundo Rodrigo Calado, professor de medicina da USP e diretor-presidente do Hemocentro de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, os pacientes que se enquadram no estudo são recrutados por um período de 12 meses. Depois, serão acompanhados por mais 12 meses para uma análise dos resultados e a solicitação à Anvisa de registro do produto, que poderá ser disponibilizado ao SUS..
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