Paulo Abel do Nascimento, um dos cantores de ópera do Brasil faria 66 anos, no último dia 13 de janeiro
O Conexaoin foi resgatar a trajetória de um dos maiores cantores de ópera do Brasil e do mundo, o cearense Paulo Abel do Nascimento. A matéria foi escrita pelo Gabriel Petter, doutor em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Paraná, escritor e músico, que dedica parte do seu tempo para pesquisar e resgatar a história do talentoso cantor.
Convidamos vc, leitor do Conexaoin a mergulhar nessa história de paixão pela música e superação!
Na última sexta, dia 13 de janeiro, Paulo Abel do Nascimento teria comemorado 66 anos, provavelmente no estilo alegre que caracterizava sua persona pública. Antes que o leitor se sinta ignorante por não saber de quem estou falando, é preciso dizer que até hoje o cantor e educador musical cearense precocemente falecido ainda é uma lenda, conhecido por poucos e lembrado com saudade e afeto por parentes, amigos, amores e tantas pessoas que passaram pela sua breve vida.
Cearense nascido em Fortaleza, no hoje boêmio bairro do Benfica, Paulo teve a infância comum de um menino pobre da sua geração, com alguns poréns: desde cedo revelava grande interesse pela música, chegando a improvisar flautas com talos de carrapateiro. Já na tenra infância era convidado a cantar nas festividades escolares, por conta da voz “bonitinha”, incentivado por Joelinda, sua professora no primário que, sem imaginar, motivou o pequeno aluno a persistir no mundo da música.
Persistência era de fato uma das qualidades marcantes da personalidade de Paulo Abel. Acessar o conhecimento musical ainda hoje não é fácil para a maioria das crianças destes brasis. Imagine então na segunda metade do século passado, numa cidade ainda relativamente pequena e provinciana, e com apenas um conservatório, com cursos cujos preços são exorbitantes para aqueles cuja renda familiar mal cobre as despesas domésticas. A pobreza, aliás, era mais um dos problemas que marcaram a vida de Abel. Pobre, mestiço e gay, ele foi objeto de múltiplas opressões.
A precariedade econômica e a falta de acompanhamento médico adequado fê-lo ignorar por muito tempo a raridade do seu próprio timbre vocal. Em função de uma condição descrita na literatura médica como hipogonadismo, Paulo não passou pelo processo natural de mudança da voz, com o rebaixamento da laringe, conservando o timbre de um pré-adolescente, a voz “fininha” de que tanto caçoavam os meninos na vizinhança. Essa condição fisiológica, porém, seria determinante para seu futuro no mundo profissional da música.
Infância e adolescência
Inicialmente, Paulo Abel aprendeu música com artistas, educadores e entusiastas que moravam na sua vizinhança, como João Lima, Izaíra Silvino e Raimundo Nonato Ferreira. Aos 19, enquanto ainda era aluno do curso de Turismo do atual IFCE, conseguiu a proeza de ser o regente do coral da instituição, mesmo sem formação específica para o cargo. Numa das viagens do coral pelo Brasil, conheceu o professor Michel Phillipot, que o incentivou a frequentar seu curso de Regência e a estudar música na UNESP, em São Bernardo do Campo. Com a cara, a coragem, e a ajuda dos amigos, Abel se aventurou no Sudeste, conhecendo o professor Roger Cotte, alguém com conhecimento especializado na voz e que ajudou o cearense a “se descobrir” vocalmente. Após um entrevero no IX Festival de Inverno de Campos do Jordão, em 1978, e justamente com o também cearense Eleazar de Carvalho, diretor do festival, Paulo foi expulso do festival. A partir de então, o Brasil se tornou pequeno demais para ele. Com a ajuda de Roger, conseguiu uma bolsa para estudar canto no prestigiado Instituto do Renascimento Musical em Florença, Itália.
Carreira internacional
O resto é história. Ao longo da sua breve carreira profissional, iniciada em 1981, Paulo Abel se apresentou em vários países e colecionou proezas. Foi o primeiro artista brasileiro a se apresentar na fechadíssima Coreia do Norte, em 1987. Foi também o único artista brasileiro convidado a cantar no bicentenário da Revolução Francesa, em 1989. Em 1988, fez uma pequena participação no filme americano Ligações Perigosas, gravando também uma faixa para sua trilha musical. Mas com certeza sua maior obra se deu no campo da educação musical. Em 1985, juntamente com Izaíra Silvino, idealizou o Projeto Ópera, abrigado pela Universidade Federal do Ceará, que ao longo de quase dois anos formou artistas e educadores que ainda hoje atuam no Brasil e no exterior.
Paulo Abel foi para o mundo ainda muito jovem, aos tenros 21 anos. Longe dos olhares inquisidores da família, pôde exercer livremente sua sexualidade, não obstante um vírus insidioso, que provocava uma doença à época fatal, aos poucos se difundisse mais notavelmente entre homens gays, o que resultou na absurda associação entre homossexualidade e AIDS. Paulo Abel foi uma entre as milhares de vítimas da doença que devastou uma geração, falecendo em Paris, em maio de 1992.
Discos gravados e biografia
Paulo Abel deixou dois discos gravados (nunca lançados no Brasil) e um importante trabalho sobre o canto figurado italiano, nunca publicado. Mas Abel não foi totalmente esquecido. Em 2006, ganhou uma pequena biografia, de autoria do músico, professor e militante da educação musical Elvis Matos, e em 2020 uma nova biografia, mais ampliada, de minha autoria, lançada, por enquanto, apenas em formato digital. Além disso, há mais de uma década realizei entrevistas e coletei materiais que espero um dia transformar num documentário.
“Não tive a sorte de conhecer Paulo Abel do Nascimento em pessoa, mas sua história me fascinou de tal forma que hoje digo com segurança que ela mudou a minha própria vida. Desde 2009 me dedico a pesquisas e projetos sobre esse personagem encantador e cada vez mais tenho a convicção de que a sua história é exemplar e inspiradora, sob muitos aspectos. Comemorar a sua vida é lembrar que ele não morreu, pois sua influência ainda se faz sentir, passados 31 anos do seu falecimento. Viva Paulo Abel! “, finaliza Gabriel emocionado.
Gabriel lançou o livro sobre o cantor “sombra Mai Fu”, a venda em formato eBook, disponível pelo site www.pauloabel.com ou em contato com o autor: gabriel.petter@gmail.com.
Gabriel criou também o Instagram @paulo_abel_do_nascimento.
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