O drama “Onde está Liz dos Santos?”, que reflete sobre as relações de poder nas sociedades autoritárias, faz temporada virtual de 1º a 30 de dezembro no Youtube
Os derrotados nunca puderam contar a história do mundo. A narrativa sempre coube aos vencedores, dominadores e bárbaros. Mas, mesmo nos regimes mais autoritários e violentos, as vítimas têm a oportunidade de deixar sua mensagem para as gerações futuras. É a partir dessa reflexão que se desenvolve o drama “Onde está Liz dos Santos?”, que, após seis apresentações no Rio de Janeiro, faz temporada virtual de 1º a 30 de dezembro no Canal do Youtube Firjan SESI (www.youtube.com/c/FirjanSesi), com exibição da gravação feita no teatro. A peça foi escrita pela estreante Beatriz Malcher durante as atividades da 6ª turma do Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI, que contou com aulas virtuais, no ano passado, sob a coordenação do diretor e dramaturgo Diogo Liberano. Dirigido por Tatiana Tiburcio, o espetáculo conta uma história de perseguições, desaparecimentos e submissões que apresenta paralelos com a realidade brasileira.
A trama se desenrola em uma cidade dominada por um grupo de milicianos, onde a posse de armas está liberada. Maria das Graças busca sua filha, Liz, que desapareceu após ser levada à delegacia local. A busca expõe uma trama de violência que envolve o Estado, a alta burguesia agrária e a igreja. Paralelamente, o pastor da cidade se confronta com o seu papel ambíguo neste cenário. Para escrever a dramaturgia, a autora se inspirou em entrevistas que leu com pessoas que moram em zonas de milícia e em um episódio que ouviu de uma senhora na porta do banco: ela perdeu um filho, casa e negócio depois que a família deixou de pagar pelos serviços cobrados pelo grupo clandestino. No elenco do espetáculo, estão Anderson Guimarães, Clarissa Menezes, Fernanda Dias, João Mabial, Julio Wenceslau e Luciana Lopes.
“Estamos em um momento de repensar as narrativas históricas e recuperar a memória das vítimas”, avalia Beatriz. “Li bastante sobre milícia nos últimos meses para construir a trama, mas a peça parte de um ambiente dominado por esse grupo para refletir sobre as posturas autoritárias, violentas e fascistas que fazem parte da história do Brasil e do mundo. De tempos em tempos, essas posturas ficam mais afloradas. Li um livro que falava, por exemplo, sobre a continuação dos métodos usados pela ditadura militar nos métodos usados pela milícia”, acrescenta.
A narrativa também é contada a partir de obras, no estilo lambe-lambe, deixadas pela personagem-título, uma artista desaparecida que, a partir do eu trabalho, fazia denúncias políticas. “Eu queria trabalhar com indivíduos desaparecidos, mas que tivessem voz. Eu não queria fazer como o sistema e apagar essas pessoas do mapa”, observa a dramaturga. “Decidi usar colagens feitas por mim mesma, que serão projetadas em cena, para mostrar a obra de uma artista sem recursos, que está tentando ganhar a vida em outra cidade. Colei olhos de pessoas reais, que estão mortas ou têm paradeiro desconhecido. Enquanto existir gente que lembre dessas pessoas e que passem suas mensagens adiante, elas não estarão derrotadas. Elas ficarão de olhos abertos”, completa.
O diretor e dramaturgo Diogo Liberano lembra do processo de estudos e escrita de dramaturgia durante as aulas da 6ª turma do Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI. “Beatriz teve um processo extremamente corajoso. Ela partiu de um incômodo muito grande com questões urgentes do país, como a de uma possível liberação de armas para civis, para construir situações, personagens e ações, que pudessem revelar facetas diversas sobre os problemas do Brasil de hoje”, elogia. “A dramaturgia dela não parece ter sido construída para informar dados nem para citar casos de nossa realidade. Ao contrário, parece ter sido feita para ultrapassar o real e nos fazer pensar sobre ele por meio de personagens e embates diversos. Sua ficção, assim, mais do que mentira ou verdade, é um trabalho que faz perguntas determinantes sobre as violências que nosso país está vivendo”, destaca.
Para contar essa história, a diretora Tatiana Tiburcio focou no trabalho do ator, dando continuidade às suas experiências profissionais como atriz na Companhia dos Comuns, e no Amok Teatro. “Trabalhamos com a cena mais crua possível, no sentido de exigir mais dos atores, sem dar a eles apoios e bengalas. Trabalhamos com o ator em sua máxima expressividade para falar do retorno desse extremismo conservador que a gente já experimentou em ditaduras pelo mundo. Estamos vendo isso tudo voltar com uma carga muito assustadora”, frisa Tatiana que, durante a pandemia, se destacou como diretora (ao lado de Renato Farias) do espetáculo “Insubmissa Negra Voz – Conceição Evaristo” e como atriz no especial “Falas Negras”, da Rede Globo, no qual viveu a doméstica Mirtes de Souza, cujo filho, Miguel, de 5 anos, morreu ao cair de um prédio de luxo no Recife. Ela ganhou o prêmio de Melhor Atriz pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) pela atuação. Na equipe criativa de “Onde está Liz dos Santos?” também estão Julio Wenceslau (assistente de direção), Jon Thomaz (iluminação), Carlos Alberto Nunes (direção de arte), Beà Ayòóla (direção musical) e Diogo Liberano (coordenação do projeto).
Sinopse
Em uma cidade dominada por um grupo de milicianos, Maria das Graças busca sua filha, Liz, que desapareceu após ser levada à delegacia local. A busca expõe uma trama de violência que envolve o Estado, a alta burguesia agrária e a igreja. Paralelamente, o pastor da cidade se confronta com o seu papel ambíguo neste cenário.
Núcleo de Dramaturgia
Em sua sétima edição, o Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI nasceu da vontade de descobrir e desenvolver novos autores teatrais brasileiros e é aberto para quem gosta de escrita, com ou sem experiência em dramaturgia. O programa anual de estudo e criação mistura teoria e prática, por meio de atividades de leitura de textos filosóficos e dramaturgias escritas no decorrer dos séculos; discussões; exercícios individuais e de jogos textuais em dupla ou trio; e encontros presenciais com autores e artistas profissionais da cena contemporânea. Além dessas experimentações, os participantes escrevem duas dramaturgias, sob orientação de Diogo Liberano, coordenador do Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI: uma menor, com cerca de 15 páginas, e uma final de no mínimo 30 páginas. “Pedagogicamente a atividade se dá a partir de distintos modos e tipos de escrita que cada autor ou autora traz. As turmas são compostas por 15 pessoas, a cada ano, assim, a diversidade de modos de escrita é muito grande. Temos encontros semanais com a turma toda e individuais, nos quais discutimos a dramaturgia de cada aluno de maneira bastante profunda”, conta Liberano. “É muito gratificante ver o resultado”.
Sobre Beatriz Malcher
É crítica literária, pesquisadora e professora de literatura. Se doutorou em 2020, em Teoria Literária (PPGCL-UFRJ), com tese sobre W.G. Sebald. É mestre em Comunicação e Cultura (PPGCOM-UFRJ) e bacharel em Comunicação Social (UFRJ). Dramaturga estreante, compôs a sexta turma do Núcleo de Dramaturgia FIRJAN/SESI (2020) – sob orientação do Professor Diogo Liberano –, onde compôs as dramaturgias “Onde está Liz dos Santos?” e “Carro Alegórico”, com publicação prevista para janeiro de 2022 pela editora Hecatombe, selo político da editora Urutau.
Sobre Tatiana Tiburcio
Formada pela Escola de Teatro Martins Pena), integrou a Cia dos Comuns, atuando em espetáculos como “Roda do mundo”, “Candaces – A reconstrução do fogo” e “Bakulo – Os bem lembrados”. Também atuou em espetáculos como “Júlia”, de Cristiane Jathay; foi integrante do Amok Teatro no espetáculo “Salina – A última vértebra” pelo qual foi indicada ao Prêmio Shell de Melhor Atriz/2015, e vencedora do prêmio Questão de Crítica 2016 na categoria direção de movimento/coreografia. Pelo Amok Teatro também compôs o elenco de “Os cadernos de Kindzu” em temporada no CCBB Belo Horizonte. Idealizadora e coordenadora do projeto “Negro Olhar – ciclo de leitura dramatizada com autores e artistas negros” com a participação de Ruth de Souza, Milton Gonçalves, Fabricio Boliveira entre outros; desenvolveu o projeto Oficina negro olhar – Do movimento ao gesto, que circula pelas diversas unidades do Sesc de diversos estados do país. Em TV atuou em minisséries como “Subúrbia” e novelas como “Meu pedacinho de chão” – ambas com direção de Luiz Fernando Carvalho – e em “Sol Nascente”, com direção de Leonardo Nogueira na Rede Globo. Produziu, atuou, dirigiu o curta metragem “A face negra do amor”, com a participação de Erika Januza e Val Perré. Fez a preparação de elenco do filme “Medida provisória”, com direção de Lázaro Ramos e codirigiu também com Lázaro Ramos o espetáculo “O método Growhol”. Preparou o elenco do filme “Barba, cabelo e bigode” para Netflix, com direção de Rodrigo França. Atualmente está no elenco de “As seguidoras”, série da Paramount.
Ficha técnica
Dramaturgia: Beatriz Malcher
Direção: Tatiana Tiburcio
Elenco: Anderson Guimarães (Matteo “Dentinho”), Clarissa Menezes (DR. Ribeiro/Marissa), Fernanda Dias (Carla Jordão), João Mabial (Delegado Sebastião), Julio Wenceslau (Pastor Hedelberto) e Luciana Lopes (Maria das Graças)
Assistência de direção: Julio Wenceslau
Iluminação: Jon Thomaz
Direção de arte: Carlos Alberto Nunes
Costura cênica: Katia Salles e Nilce Maldonado
Confecção de máscara: Vanessa Dias
Direção Musical: Beà Ayòóla
Operação de som: Nádia Bittencourt
Operação de projeção: Andressa Núbia
Fotos: Daniel Barboza e Diogo Nunes
Programação visual: Bianca Oliveira – Estúdio da Bica
Redes Sociais: Lyana Ferraz e Gabriel Innocencio
Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)
Produção: Clarissa Menezes
Assistência de produção: Júlia Sarraf
Coordenação do Projeto: Diogo Liberano
Serviço
Temporada virtual: 01 a 30/12. Poderá ser acessado em qualquer dia e horário durante esse período.
Onde assisir: Canal do Youtube Firjan SESI (www.youtube.com/c/FirjanSesi)
Ingressos: gratuitos
Duração: 1h15
Classificação Etária: 14 anos.
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