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A difícil vida das modelos que viajam para tentar espaço nas semanas de moda

Vida de modelo não é passarela, glamour e holofotes. Nos períodos que antecedem os principais eventos de moda, a exemplo das semanas de moda de Nova York, Londres, Paris e Milão modelos viajam para essas cidades, na esperança de serem encaixadas em algum desfile das famosas griffes. Mas, muitas voltam para casa desiludidas, e pior, com menos dinheiro do que quando chegaram.

Uma dessas personagens é Anna ( nome fictício), 17 anos e no curriculum desfiles para a Prada, Mulberry, Comme des Garçons e muitas outras. Segundo reportagem publicada pelo jornal O GLOBO, de 27 de setembro deste ano, a primeira agência com a qual Anna assinou contrato, em seu país natal, na Europa Ocidental, adiantou 350 libras para um ensaio fotográfico, custo que foi adicionado a uma prestação de contas em seu nome.

Mais tarde, ela foi levada de avião para Londres para participar de um processo de seleção, e essa despesa também foi incluída na conta, assim como gastos com acomodação e alimentação. A quantia que ela devia aumentou.

Embora as agências normalmente paguem antecipadamente por seus voos, hospedagem e despesas, é prática padrão do setor querer receber o dinheiro de volta. Ou seja, se um modelo viajar para a Semana de Moda de Londres e não conseguir trabalho, ficará com uma dívida com a agência no valor da viagem.

Anna se viu diante deste problema aos 18 anos, quando embarcou para os Estados Unidos para participar de seleções para desfiles da Semana de Moda de Nova York, mas acabou não participando de nenhuma porque ficou doente.

Para a modelo russa Ekaterina Ozhiganova, que trabalha em Paris, é hora de encarar o problema oculto das dívidas que modelos acumulam ao tentar fazer carreira em uma das profissões mais precárias do mundo. Ela é cofundadora da Model Law, a primeira associação francesa que trabalha para proteger os direitos dos modelos. “Antes, a violência sexual era tabu”, afirma.

Como o sucesso no mundo da moda é medido em parte pelo montante que você ganha, modelos profissionais raramente querem falar abertamente sobre o problema.

Mas, nos bastidores, Ozhiganova conta que a Model Law está ajudando diversos modelos a entender melhor suas finanças. “A falta de informação é o principal problema. Os modelos não sabem quanto deveriam receber. É como qualquer trabalhador estrangeiro que vai para uma economia mais próspera”, compara Ozhiganova. Há uma grande dificuldade em relação à língua, eles não conseguem ler a papelada, o contrato. É um salto no escuro.”

Salários baixos

Para piorar a situação, a quantidade de aspirantes a modelos é tão grande que o trabalho é escasso, e os salários podem ser muito baixos.

Alguns trabalhos para revistas, por exemplo, não são remunerados. E os honorários podem variar de R$ 350 a R$ 7 mil ou mais para participar de um desfile durante uma semana de moda ou dezenas de milhares de reais para estrelar a campanha de uma marca.

No entanto, a dívida dos modelos não é uma dívida no sentido comum do termo, diz John Horner, diretor da British Fashion Models Association, que representa as agências britânicas. “Se um jovem modelo não é bem-sucedido e deixa a indústria da moda, ele não é perseguido para pagar o dinheiro que “deve”, explica. Em vez disso, a agência arca com o investimento que fez. “Nós assumimos a dívida”, diz.

Segundo Horner, a agência londrina Models 1, gerenciada por ele, tem 60 mil libras em dívidas de modelos penduradas em seus livros caixa, que podem não ser pagas nunca, se a carreira destes modelos não decolar.

Ele acrescenta que as agências são obrigadas a fornecer aos modelos extratos mensais detalhados, listando as cobranças em seu nome, mas ele receia que os mesmos nem sempre sejam conferidos.

Ainda de acordo com Horner, a maioria dos modelos de sucesso logo paga o investimento inicial e começa a ter lucro.

Jovens e vulneráveis

Esther Kinnear-Derungs é cofundadora da Linden Staub, uma pequena agência criada há três anos, em Londres, para encontrar formas pioneiras de tratar melhor os modelos. Ela diz que avançar na carreira e recuperar gastos faz parte da “natureza do negócio”. O problema é que os jovens são vistos como “descartáveis” por muitas agências, acrescenta ela.

Segundo ela, os jovens da Europa Oriental costumam ser os mais vulneráveis. Os pais ficam felizes em mandá-los para o exterior, acreditando que é a “grande chance” da vida deles, e não fazem perguntas suficientes.

Os próprios jovens não têm experiência para gerenciar suas próprias finanças ou carreira.

“Acreditamos que temos a responsabilidade de educar os modelos desde o primeiro dia, independentemente de terem sido descobertos na Sibéria, na África ou em Londres”, afirma Kinnear-Derungs.

Candice (outro nome fictício) é uma modelo francesa de ascendência africana. Ela conta que, quando começou, não tinha ideia que seria cobrada por viagens e outras despesas.

“Quando você consegue seu primeiro trabalho, você percebe que não era de graça. Você pergunta sobre o pagamento, e eles dizem: ‘Você não vai receber dinheiro porque está endividada’. Aí você entende”, diz.

Segundo ela, mesmo que as agências estejam, em última análise, arcando com o risco financeiro, há uma pressão psicológica sobre os modelos.”Sempre parece que você está fazendo uma aposta ao viajar para uma semana de moda, com o risco de voltar para casa devendo mais do que quando você chegou. Talvez 40% de nós, talvez mais, voltam para casa sem nada. É por isso que é tão estressante.”

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POR: Rita Moraes
Publicado em 03/11/2020