Com uma trajetória de lutas pelos direitos das trabalhadoras domésticas na Bahia, Creuza Maria Oliveira, atual presidenta de honra da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) e secretária de Formação Sindical e de Estudos do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico-BA), foi condecorada no último dia 1º, com o título de comendadora da Ordem Dois de Julho – Libertadores da Bahia. A mais alta honraria do Estado homenageia a atuação destacada em prol da garantia das liberdades públicas e é parte das comemorações pelos 200 anos da Independência do Brasil na Bahia.
“Receber essa medalha no ano de comemoração pelos 200 anos de luta, de resistência, da independência do Brasil que começou na Bahia, é histórico, me deixou ainda mais orgulhosa, porque eu sempre participo do Dois de Julho na militância, na luta, nas caminhadas, mas assim nunca tinha participado, sendo homenageada e ainda recebendo a medalha”, conta Creuza, emocionada.
Aos 66 anos, Creuza relembra os passos que a trouxeram até a homenagem da ordem Dois de Julho. Após a morte do pai, a mãe retornou com os filhos, todos menores de idade, para Santo Amaro da Purificação. Lá, Creuza começou a trabalhar como empregada doméstica, antes mesmo de completar 10 anos, para ajudar no sustento da família. De volta à capital baiana, aos 14 anos, continuou sua trajetória trabalhando em casas de famílias e, aos poucos, engajou-se na luta pelos direitos da categoria.
As lembranças são de muita violência, assédio moral e sexual no local de trabalho. Para se livrar da solidão, a então doméstica se valia de um radinho de pilha, que carregava por todos os cantos da casa, enquanto desempenhava suas atividades. “Um dia, ouvi no rádio uma senhora candidata a vereadora dizendo que defenderia os direitos das empregadas domésticas. Para mim, foi uma luz no fim do túnel. Nunca tinha ouvido ninguém dizer que ia defender doméstico”, revela Creuza.
“Chamou minha atenção, porque eu sempre perguntava a mim mesma, porque todo trabalhador tem sindicato e doméstica não”, questionou-se na época, aos 28 anos. A partir daí, Creuza integrou um grupo de pessoas que se reuniam para discutir os direitos dos trabalhadores domésticos, duas vezes por mês. Um ano depois, em 1986 fundou a Associação das Empregadas Domésticas da Bahia. Com Constituição de 88, foram garantidos alguns direitos, como salário e décimo terceiro. Em 13 de maio de 1990, foi, então, fundado o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia, tendo Creuza Oliveira como primeira presidenta.
A luta pela valorização do trabalho doméstico se somou à militância no movimento negro e em defesa dos direitos das mulheres. A jornada de Creuza inclui inúmeras homenagens, que se somam à Ordem Dois de Julho, reconhecendo a força e resistência dessa personalidade baiana.
Em Salvador, uma das maiores conquistas do Sindoméstico-BA foi a construção do Conjunto Habitacional 27 de abril, no bairro do Doron, inaugurado em 2012, cujo nome é referência ao dia nacional da categoria. Exclusivo para domésticas, composto por quatro prédios e uma creche, representou o sonho da casa própria para 80 trabalhadoras, tendo ainda garantida a educação no próprio condomínio, permitindo tranquilidade e segurança para que possam trabalhar sabendo que seus filhos estão sendo cuidados, enquanto elas cuidam de outras famílias. “Não foi fácil chegar até onde a gente chegou. Mas, conseguimos e hoje a gente tem uma sede própria do sindicato também”, lembrou Creuza.
Mesmo após se aposentar, ela continua atuando em prol da categoria, composta por cerca de 500 mil trabalhadoras em toda a Bahia, das quais 150 mil trabalham em casas de famílias, em Salvador e na RMS. Enquanto secretária de Formação Sindical e de Estudos do Sindoméstico-BA, orienta o atendimento e acompanhamento das sindicalizadas, prestando informação e auxiliando nos cálculos de rescisão, por exemplo.
Atual presidenta do Sindoméstico-BA, Milca Martins, que trabalhou como doméstica desde os 7 anos, chegou ao sindicato há 13 anos, levada pelas mãos da própria Creuza, de quem é vizinha de bairro. “Na época, eu nem sabia que o que eu fazia era uma profissão. Trabalhava em uma residência há mais de 15 e diziam que era como se eu fosse da família e recebia metade do salário. Através de Creuza e do sindicato, conheci meus direitos”, conta.
Outras homenagens
Creuza Oliveira também foi homenageada com o Prêmio Revista Cláudia: “Mulheres que fazem a diferença” (2003); Prêmio Direitos Humanos (2003), da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, e em 2011, pela luta contra o trabalho infantil e por igualdade racial.
A sindicalista recebeu ainda, em 2005, a condecoração da Ordem do Mérito do Trabalho no Grau de Cavaleira, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no mesmo ano em que foi indicada para o Prêmio 1.000 Mulheres para o Nobel da Paz. Recebeu também o Troféu Raça Negra, da Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, no ano de 2013. E a homenagem “Mulheres Guerreiras”, da Previdência Social.
No Senado Federal, o Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, em 2015. A próxima honraria é o título de doutora Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que será entregue a Creuza Oliveira pelo trabalho dedicado à classe dos trabalhadores domésticos.
Fotos: Mateus Pereira/GOVBA
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