Justiça concede liminar para renomear ruas que homenageiam violadores de direitos humanos em São Paulo
Decisão atende pedido da Defensoria Pública da União e do Instituto Vladimir Herzog, que ingressaram com Ação Civil Pública
O Tribunal de Justiça de São Paulo atendeu ao pedido de liminar da Defensoria Pública da União (DPU) e do Instituto Vladimir Herzog (IVH) para que a prefeitura de São Paulo apresente um cronograma para alteração do nome de ruas que homenageiam violadores de direitos humanos. O requerimento faz parte de uma Ação Civil Pública (ACP), feita em parceria pelas instituições, para retirar os nomes daqueles que receberam essas homenagens e foram identificados pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Onze equipamentos e vias foram listados como prioritários (confira a lista abaixo).
O juiz Luiz Manoel Fonseca Pires, da 3ª Vara de Fazenda Pública, deferiu o pedido e concedeu 60 dias para que o município apresente o cronograma. O prazo é mais extenso do que os 30 dias sugeridos originalmente pela DPU e pelo IVH. “O direito à memória política é recurso imprescindível para a cultura do regime democrático e o respeito e o estímulo à proteção da dignidade da pessoa humana, ambos alicerçados na Constituição Federal”, diz trecho da decisão.
Caso a ação seja julgada totalmente procedente, o município será condenado a implementar em 180 dias todas as medidas necessárias para viabilizar a troca de nomes de vias e logradouros públicos, sem encargo extra aos eventuais moradores destas localidades.
A ACP é sustentada na Lei nº 15.717, de 2013, que alterou o artigo 5º da Lei 14.454, de 2007, o qual proibia alterações de nomes de ruas. Com a modificação, ficou permitida a troca de denominação quando se tratar de homenagem a “autoridade que tenha cometido crime de lesa-humanidade ou graves violações de direitos humanos”. Destaca-se ainda o Decreto nº 57.146, de 2016, que instituiu o Programa Ruas de Memória, o qual prevê a mudança progressiva de logradouros e equipamentos públicos que se encaixem nessa situação.
“Passados mais de dez anos da alteração da lei e mais de cinco anos da edição do decreto, a cidade de São Paulo permanece repleta de logradouros cujos nomes guardam estrita conexão com a ditadura empresarial-militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Esta ACP reforça a necessidade de uma política de memória que rejeita o esquecimento e promove valores de justiça e democracia”, aponta o defensor regional de Direitos Humanos de São Paulo (DRDH-SP), Érico Lima de Oliveira.
“Mais do que uma mudança nos nomes de ruas, essa vitória representa e reafirma o compromisso com a construção de uma sociedade que reconhece seu passado de violência e valoriza os princípios de uma democracia que foi conquistada em nome daqueles que perderam suas vidas para que pudéssemos estar aqui hoje”, afirma Rogério Sottilli, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog.
Dados do Programa Ruas de Memória indicam que 38 logradouros da cidade de São Paulo homenageiam pessoas vinculadas à ditadura militar, das quais 22 possuem envolvimento direto com a repressão. Além disso, foram identificados 17 equipamentos municipais, incluindo 12 escolas e cinco ginásios, que perpetuam tais homenagens.
No curso do programa, algumas ruas já foram modificadas. É o caso da Rua Dops Sérgio Fleury, que passou a ser chamada de Rua Frei Tito, em homenagem ao Frei Tito de Alencar Lima torturado pelo delegado Fleury. No entanto, restam ainda oito nomes de pessoas ligadas à ditadura, sendo homenageadas em ruas, pontes, praças e avenidas da cidade de São Paulo.
O documento apresentado à Justiça destaca dois exemplos emblemáticos que evidenciam a importância da revisão: o Crematório Dr. Jayme Augusto Lopes, no Cemitério Vila Alpina; e o Centro Desportivo Caveirinha, na zona sul da cidade. Ambos os locais perpetuam memórias de figuras envolvidas na cadeia de comando de desaparecimentos forçados e ocultamento de cadáveres durante a ditadura militar, configurando obstáculos à construção de uma narrativa pública comprometida com a verdade e a justiça.
Comissão da Verdade
A medida cobrada no ACP está em consonância com as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e também da comissão municipal. A recomendação 21 da Comissão Municipal Vladimir Herzog propõe revisar os nomes de espaços públicos que homenageiam indivíduos envolvidos em graves violações de direitos humanos. Essa diretriz incentiva debates e ações para evitar que logradouros, prédios públicos e monumentos glorifiquem figuras associadas à tortura e à repressão.
O Relatório Final da CNV também destaca a necessidade substituir os equipamentos e os logradouros violadores. O item 28 do documento recomenda a alteração de nomes de ruas, equipamentos, edifícios e instituições que remetem a agentes ou figuras historicamente vinculadas a graves violações de direitos humanos.
Lista de logradouros e equipamentos prioritários:
Crematório Dr. Jayme Augusto Lopes
Centro Desportivo Caveirinha
Avenida Presidente Castelo Branco (Marginal Tietê) – zona norte/centro
Ponte das Bandeiras (Senador Romeu Tuma) – zona norte/centro
Rua Alberi Vieira dos Santos – zona norte
Rua Dr. Mario Santalucia – zona norte
Praça Augusto Rademaker Grunewald – zona sul
Rua Délio Jardim de Matos – zona sul
Avenida General Enio Pimentel da Silveira – zona sul
Rua Dr. Octávio Gonçalves Moreira Júnior – zona oeste
Rua Trinta e Um de Março – zona sul
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