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Questões de gênero, raça e classe social são mais discutidas na reforma tributária, mas bandeiras também são usadas para ampliar benefícios fiscais do setor empresarial

 

A diversidade de atores nas discussões sobre a reforma tributária, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado, teve aumento significativo se comparado a 2003 (quando foi discutida a Emenda Constitucional 42/2003). O debate sobre questões de gênero, raça e classe social foi ampliado e contou com a participação de diversos setores da sociedade. Porém, grandes empresas adotaram parte da agenda como justificativa para manterem, ou ampliarem, benefícios tributários. A descoberta faz parte de um dos achados da análise da íntegra de todas as 32 audiências públicas a respeito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, feita pelo Observatório Brasileiro do Sistema Tributário, iniciativa formada pelo Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal) e pela Universidade Federal de Goiás.
Com o título de “Quem foi Quem na Reforma Tributária”, o primeiro estudo do Observatório examinou a participação dos atores envolvidos na discussão. As grandes empresas lideraram o debate atual, tendo sido mais ouvidas do que o próprio governo. Ao juntarmos a atuação da sociedade civil, representada em 95% por grandes companhias, com a influência dos sindicatos patronais, temos uma predominância das pautas setoriais que supera a presença do governo, academia, fisco e sindicato de trabalhadores, juntos.

“Quando observamos a prevalência de um ator em meio às discussões de alterações nevrálgicas no sistema tributário, podemos ver claramente como se dão as relações de poder no Brasil. Aqueles que têm mais espaço de fala em audiências públicas possuem grande influência na produção das minutas dos projetos de lei e das medidas provisórias”, explica o professor de Direito e Ciência Política da Universidade Federal de Goiás e coordenador do Observatório, Francisco Mata Machado Tavares.
Além do aumento na representação social, foi possível observar um incremento na adoção de temas que, antes, não eram objeto de análise. Questões referentes ao impacto e às implicações da tributação sobre o consumo na vida de mulheres, pessoas negras e de baixa renda foram tematizadas, como demonstra a nuvem de palavras apresentada abaixo.

Contudo, apesar dos avanços, o estudo aponta que “foram detectadas apropriações do tema das desigualdades de gênero por setores empresariais, com vistas à redução de suas obrigações tributárias, sob argumentos como o de que seriam responsáveis por oportunizarem empregos a mulheres e negros/as. É possível, assim, identificar-se um percurso em que gênero e raça seguem de um silenciamento (o campo tributário não identifica estas questões como pertencentes ao seu repertório), seguido de confinamento (o tema emerge, mas sem transversalidade) e, enfim, captura (setores empresariais incorporam a matéria, mas como meio de realização dos próprios interesses econômicos pré-determinados)”.
Para o presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, debate de 2023 é marcado por uma ambivalência. “De um lado, o Brasil criou novo direito social constitucional com o cashback, mitigou competições tributárias nocivas, ouviu vozes usualmente silenciadas no campo fiscal e atendeu a parciais demandas da sociedade não empresarial. De outro, as corporações ainda foram prevalecentes, privilégios foram constitucionalizados e pautas progressistas, como mudanças climáticas, sofreram tendência de instrumentalização por setores que almejam favores fiscais.
Segundo o documento “Isto já permite a apresentação de um primeiro prognóstico: o debate e o texto das leis complementares que regulamentarão a reforma tributária terão como eixo a acomodação de interesses setoriais empresariais mais organizados e, em seguida, do conflito federativo, em detrimento de questões como redução das desigualdades, transição energética ou ampliação dos canais de participação social no âmbito tributário”.

 

Lançamento

O evento de lançamento do Observatório do Sistema Tributário fez a apresentação de todos os achados do estudo “Quem foi Quem na Reforma Tributária” e ocorreu hoje (14) em Brasília. Compareceram à ocasião nomes do Ministério da Fazenda, como o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, a subsecretária de Política Fiscal, Débora Freire Cardoso, e deputados federais.
Sobre o Observatório do Sistema Tributário Brasileiro

O Observatório Brasileiro do Sistema Tributário é uma iniciativa pioneira idealizada pelo Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil), em parceria com o Grupo de Estudos e Pesquisas Sócio-Fiscais da Universidade Federal de Goiás (GESF/UFG), que tem como um dos objetivos ser referência nos debates sobre o Sistema Tributário Brasileiro.

 

O observatório, além de se propor a ser um referencial para formadores de opinião, pesquisadores e estudantes da área, busca subsidiar as discussões entre representantes dos poderes constituídos da República no sentido de favorecer a construção de uma legislação fiscal que promova uma tributação mais justa e menos regressiva.

 

Combater a regressividade do Sistema Tributário é uma das maneiras de atacar de frente as desigualdades socioeconômicas do país. Nesse sentido, a equipe técnica que compõe o Observatório é formada por Auditores-Fiscais da Receita Federal e por acadêmicos especialistas nos estudos sobre o arcabouço fiscal brasileiro.

 

A expertise da equipe técnica do Observatório possibilitará, sobretudo num momento em que a Reforma Tributária está em debate no Congresso Nacional, o monitoramento desse debate, a partir de um enfoque multidisciplinar, dos conflitos, acordos, dinâmicas e decisões acerca do Sistema Tributário Brasileiro.

 

 

POR: Rita Moraes
Publicado em 21/03/2024