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Negros e indígenas são apenas 7,4% dos professores em cursos de pós-graduação, aponta estudo

 


Negros e indígenas são apenas 7,4% dos professores em cursos de pós-graduação, aponta estudo

Dados se referem às ciências exatas e naturais; pesquisa inédita do GEMAA/UERJ em parceria com o Serrapilheira revela desigualdade racial na ciência no Brasil

No mês da Consciência Negra, dados de um estudo inédito do GEMAA/UERJ (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa) em parceria com o Instituto Serrapilheira trazem um retrato da desigualdade racial na ciência no Brasil. A pesquisa aponta que a presença de professores brancos em programas de pós-graduação nas áreas de ciências exatas, da terra e biológicas é 12 vezes maior que a de pretos, pardos e indígenas.

Nestas áreas, 90,1% dos professores de pós-graduação são brancos, enquanto pretos, pardos ou indígenas somam apenas 7,4%, e amarelos, 2,5%. Os resultados fazem parte do estudo “Diversidade Racial na Ciência”, coordenado por Luiz Augusto Campos e Marcia Rangel Candido, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. O objetivo era ter um panorama sobre a presença de negros e indígenas em programas de pós em um contexto em que os dados atuais são precários e de difícil acesso.

 

Os novos dados revelam a sub-representação na ciência desta parcela que corresponde à maioria da população. Em 2022, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o total da população brasileira que se declara como preta ou parda chegou a 55,9%.

 

O foco da pesquisa nas chamadas “ciências duras” – ou STEM, na sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharia e matemática – ocorre por serem áreas reconhecidamente mais desiguais quando já observados outros fatores, como gênero. Faltavam, porém, dados que mostrassem a dimensão desse cenário em relação à diversidade racial. Foram analisados dados das áreas de astronomia/física, biodiversidade, ciência da computação, ciências biológicas, ciências exatas e da terra, geociências, matemática/probabilidade e estatística e química.

“O principal achado é o percentual de pretos, pardos e indígenas nesses programas de pós-graduação. Chegamos a uma estimativa de 7,4%. É muito pouco, mesmo quando comparamos com desigualdade de gênero. Temos cerca de 30% a 33% de mulheres nesses programas, um percentual bem maior do que esses 7,4%”, afirma o coordenador do GEMAA e professor de sociologia e ciência política no Iesp-UERJ, Luiz Augusto Campos.

A pesquisa mostra ainda que a desigualdade aumenta quando os dados de gênero são atrelados aos de raça. Quando observado o total de mulheres negras em programas de pós-graduação nas áreas STEM, o percentual diminui ainda mais: apenas 2,5%. Para comparação, o total de mulheres brancas, que também estão sub-representadas em relação a sua presença na população, é de 29,2%. “Isso mostra que essa desigualdade é também bastante interseccional”, diz Campos. “Há uma hierarquia que posiciona as mulheres pretas, pardas ou indígenas na pior colocação.”

Gráfico: raça e gênero dos cientistas brasileiros (STEM)

Fonte: dados do GEMAA; n=1.705

O percentual de professores negros fica um pouco acima dos amarelos. O coordenador do GEMAA, no entanto, esclarece que isso se deve ao fato de as pessoas amarelas estarem em menor proporção na população brasileira, ou menos de 1,2% do total, segundo o IBGE.

Dados mostram aprofundamento das desigualdades

Pretos, pardos e indígenas são sub-representados em todas as áreas STEM analisadas. Em matemática/probabilidade e estatística, a proporção é de 12,2%; em química é de 11,7%. As áreas com menor participação são geociências (com 3,5% de docentes deste grupo), seguida de ciência da computação (5,1%), biodiversidade (5,2%), ciências biológicas (6,5%), astronomia/física (7,1%) e ciências exatas e da terra (7,7%).

Gráfico: distribuição racial por área do conhecimento na ciência brasileira

Fonte: dados do GEMAA; n=1.705
Atualmente, já existem políticas de redução de desigualdades para seleção de professores de pós-graduação, como a Lei de Cotas nos Concursos Públicos (Lei 12.990/2014). A eficácia dessa medida, entretanto, é vista como limitada.

“Assumir um compromisso com a redução dessas desigualdades é importante não somente por uma demanda social, mas também para melhorar o funcionamento da própria ciência, pluralizando suas hipóteses, metodologias e práticas; fortalecendo suas contribuições para o conhecimento como um todo”, apontam os pesquisadores em relatório feito pelo GEMAA.

Como foi feita a pesquisa

O mapeamento da desigualdade racial na ciência ocorreu em três etapas. Na primeira delas, foi feita a coleta de informações da plataforma de Dados Abertos da Capes, como os registros dos professores de pós-graduação nas áreas de “ciências duras” em 2020.

A segunda etapa foi o cálculo de uma amostra representativa para toda a população. No total, foram selecionados 1.705 professores nas áreas de “ciências biológicas” e de “ciências exatas e da terra”. Foi considerada ainda uma margem de erro de 2,5% pontos para cima ou para baixo.

A última fase foi a avaliação de gênero e raça dos professores selecionados. Para isto, o GEMAA montou uma equipe com cinco pesquisadores para analisar imagens dos docentes. Com base nas categorias do IBGE – preta, parda, amarela, indígena e branca –, o grupo fez a classificação de gênero e raça, em procedimento comum a ações de heteroidentificação racial. O resultado final foi determinado pela pontuação da equipe nessa classificação. Mais informações sobre a pesquisa serão divulgadas no site do Gemaa.

Instituto Serrapilheira promove ações pela diversidade na ciência

A parceria para realização do estudo sobre a presença de negros e indígenas na STEM faz parte de um conjunto de iniciativas adotadas pelo Serrapilheira em busca do aumento da diversidade na ciência. Desde 2019, o instituto oferece recursos extras, o chamado bônus de diversidade, para que pesquisadores apoiados invistam na formação e integração de pessoas de grupos sub-representados (como negros, indígenas e mulheres nas ciências “duras”) em suas equipes. Mais de 120 cientistas já receberam esse apoio e aplicaram, por exemplo, em bolsas de mestrado, doutorado ou pós-docs. Outra estratégia adotada este ano foi o lançamento, em parceria com a Faperj, de uma chamada exclusiva para cientistas negros e indígenas na área de ecologia, com apoio total de até R$ 14,7 milhões.

“Temos procurado combinar duas estratégias: uma é o apoio direto a pessoas de grupos sub-representados na ciência, seja por meio de chamadas exclusivas, seja por meio do bônus da diversidade. Outra é o apoio a estudos como esse, geradores de dados robustos que revelem as discrepâncias, sinalizem os pontos críticos a serem tratados e informem o desenho de políticas públicas efetivas”, afirma a diretora de Ciência do Serrapilheira, Cristina Caldas. “Tudo isso parte do princípio de que a ciência se torna melhor quanto mais diversa ela for e mais pluralidade de pontos de vista tiver.”

Sobre o Serrapilheira

Criado em 2017, o Instituto Serrapilheira é uma instituição privada, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Foi criado para valorizar o conhecimento científico e aumentar sua visibilidade, ajudando a construir uma sociedade cientificamente informada e que considera as evidências científicas nas tomadas de decisões. O instituto tem três programas: Ciência, Formação em Ecologia Quantitativa e Jornalismo & Mídia. Desde o início de suas atividades, já apoiou financeiramente mais de 300 projetos de ciência e de comunicação da ciência, com mais de R$ 80 milhões investidos.

Sobre o GEMAA

O Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) é um núcleo de pesquisa com inscrição no CNPq e sede no IESP-UERJ. Criado em 2008 com o intuito de produzir estudos sobre ação afirmativa a partir de uma variedade de abordagens metodológicas, o GEMAA ampliou sua área de atuação e hoje desenvolve investigações sobre a representação de raça e gênero na ed

POR: Rita Moraes
Publicado em 21/11/2023