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A dura queda de braço entre shopping e lojistas na negociação do aluguel

Daniel Cerveira*

 

Os lojistas instalados nos principais shopping centers do Brasil vêm sofrendo pressões enormes em manter os aluguéis das lojas em números saudáveis, em razão do poder de negociação desproporcional dos empreendedores em detrimento dos varejistas. Mesmo para as redes com crescimento nas vendas e em processo de expansão, não é razoável admitir um golpe desta maneira nas suas margens de lucro.

 

O mercado de shopping centers é oligopolizado por natureza, com barreiras à entrada significativas. Recentemente observamos a fusão de grandes players e continua uma tendência de consolidação. Ademais, como será destacado abaixo, é comum verificarmos shoppings concorrentes praticando condutas idênticas no que tange ao trato junto aos lojistas, o que comprova a fortíssima concentração de mercado. Como possuem capacidade única de atrair fluxo significativo de consumidores, os centros de compras são essenciais do ponto de vista dos lojistas, ou seja, existe uma clara relação de dependência entre os comerciantes e os locadores de espaços. Somente esses elementos já indicariam o desequilíbrio do poder de barganha entre as partes envolvidas, sendo que existem outros tantos, tais como a assimetria de informações – por exemplo, quando os lojistas iniciantes desconhecem seus direitos e obrigações na relação locatícia, bem como práticas básicas e preços de mercado, situação que concede uma vantagem negocial aos shoppings.

As despesas com os aluguéis e encargos com operações em shopping centers sempre representaram uma linha relevante na estrutura de custos dos lojistas, lembrando que, ao contrário do que ocorre com os tributos e matérias-primas, por exemplo, o custo de ocupação continua igual, mesmo em um cenário de queda nas vendas. A explosão, a partir do final de 2020, dos índices IGP-M e IGP-DI, ambos publicados pela Fundação Getúlio Vargas, adotados como indexadores de reajustes dos aluguéis, jogaram os valores para patamares fora da realidade do ponto de vista da capacidade dos lojistas em suportarem as majorações, considerando o nível de vendas apresentado.

 

Nessa ótica, em que pese as negociações visando o ajuste nas bases contratuais continuem naturalmente intensas, verificamos a resistência programada de uma boa parte dos shoppings em concordar na redução definitiva do aluguel, com uma clara intenção em manter a base geral de preços elevada, acarretando no controle artificial dos preços. Verificamos no mercado, como regra, descontos temporários para viabilizar as operações, mesmo alongadas, porém sempre com tempo de duração determinados. O incentivo para este comportamento é manter a base de locativos alta para servir como referência para novos lojistas e nas perícias judiciais realizadas em sede das ações revisional de aluguel e renovatórias de contrato de locação. Ademais, os comerciantes têm poucas opções, pois, ou permanecerem nos empreendimentos nas condições colocadas pelos locadores, ou precisarão encerrar suas atividades e, nesta hipótese, sob pena de incidência de pesadas multas.

 

Com efeito, impõe registrar o fundamental papel da ação renovatória de contrato de locação em equilibrar as forças na relação lojista-inquilino e shopping-locador. Além de garantir a permanência no ponto comercial e, por consequência, a proteção do fundo empresarial formado pelo lojista, a Lei garante que o aluguel do novo período contratual seja fixado com base no preço médio pago pelos outros lojistas do respectivo empreendimento instalados em espaços similares. A Lei do Inquilinato determina que o locativo alvo de avaliação judicial, em sede das ações revisional de aluguel e renovatória de contrato de locação, deve representar o real e justo daquele momento, o que na prática quer dizer que o aluguel deverá ser apurado através dos métodos estabelecidos nas normas técnicas. Nesse contexto, nada mais correto que os Srs. Peritos Judiciais considerem como paradigmas, para fins de comparação dos locativos, os valores reais praticados pelas artes, à luz dos eventuais descontos temporários acordados. No mais, é essencial que seja dada preferência aos novos lojistas na seleção das amostras de aluguel a serem comparadas, na medida em que são estes que representam a realidade de mercado, tendo em vista que ingressaram espontaneamente nos centros de compras. Cumpre ressaltar que, atualmente, é notório no mercado que os lojistas entrantes estão pagando locativos muito menores do que os antigos.

 

Os desafios nos curto e médio prazos são enormes, sendo fundamental uma mudança cultural entre os agentes de mercado, no sentido de que a verdadeira união de longo prazo entre os parceiros lojistas e empreendedores é que viabilizará manter a pujança do setor perenemente.

 

*Daniel Cerveira é advogado e sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Autor dos livros “Shopping Centers – Limites na liberdade de contratar”, São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, prefácio do Ministro Luiz Fux, na qualidade de colaborador. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA — Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

POR: Rita Moraes
Publicado em 05/11/2023