EUA realiza primeiro transplante de rim de porco em humano com sucesso
Um rim de porco foi transplantado para um corpo humano, nos EUA, sem desencadear rejeição imediata pelo sistema imunológico do receptor. O procedimento foi realizado em setembro no centro médico Langone Health, da Universidade de Nova York. O porco utilizado teve seus genes modificados para que seus tecidos não contivessem uma molécula que provoca rejeição quase imediata em humanos.
O feito é considerado um avanço importante que, no futuro, poderá ajudar a aliviar a escassez de órgãos humanos para transplante.
A receptora foi uma paciente com morte cerebral com sinais de disfunção renal, cuja família autorizou o experimento. Por três dias, o novo rim foi ligado aos vasos sanguíneos da mulher e mantido fora de seu corpo, permitindo acesso dos cientistas ao órgão.
Os resultados dos testes do rim transplantado foram “bastante normais”, de acordo com o cirurgião Robert Montgomery, que liderou o estudo.
Segundo ele, o rim produziu “a quantidade de urina esperada” de um rim humano transplantado. Além disso, não houve evidências de rejeição intensa e quase imediata já vista em rins suínos não modificados e transplantados para primatas não humanos.
O nível anormal de creatinina da receptora – um indicador de função renal deficiente – voltou ao normal após o transplante, destacou Montgomery.
Escassez de órgãos nos EUA
Nos Estados Unidos, cerca de 107 mil pessoas estão atualmente na fila de espera por transplantes de órgãos – mais de 90 mil delas aguardam um rim, de acordo com a organização científica United Network for Organ Sharing. O tempo de espera para receber um rim é, em média, de três a cinco anos. Diariamente, 12 pessoas morrem na fila.
Os pesquisadores vêm trabalhando há décadas com a possibilidade de usar órgãos de animais para transplantes, mas um dos obstáculos é a rejeição imediata pelo corpo humano.
A equipe de Montgomery teorizou que eliminar o gene suíno para um carboidrato que desencadeia a rejeição – uma molécula de açúcar, ou glicano, chamada alfa-gal – evitaria o problema.
O porco geneticamente modificado, apelidado de GalSafe, foi desenvolvido pela unidade Revivicor da empresa americana de biotecnologia United Therapeutics Corporation, em um rebanho de 100 animais criados em condições rigidamente controladas em uma instalação em Iowa.
Em dezembro de 2020, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, autorizou o uso de tais porcos como alimento para pessoas com alergia a carne e como uma fonte potencial de tratamento humano.
Em relação ao transplante realizado recentemente, no entanto, a FDA disse que mais documentos serão necessários antes que os órgãos de suínos possam ser transplantados em humanos vivos.
“Este é um passo importante para cumprir a promessa do xenotransplante, que salvará milhares de vidas a cada ano em um futuro não muito distante”, disse Martine Rothblatt, CEO da United Therapeutics.
Mais experimentos
O experimento de transplante de rim do Langone Health deve abrir caminho para testes em pacientes com insuficiência renal em estágio terminal, possivelmente nos próximos um ou dois anos, disse Robert Montgomery. Os ensaios podem testar a abordagem como uma solução de curto prazo para pacientes criticamente enfermos até que um rim humano esteja disponível, ou mesmo como um enxerto permanente.
O experimento atual envolveu um único transplante, e o rim permaneceu em funcionamento por apenas três dias. Dessa forma, quaisquer testes futuros provavelmente revelarão novas barreiras a serem superadas, ponderou Montgomery. Os voluntários provavelmente serão pacientes com baixa probabilidade de receber um rim humano e com um prognóstico ruim em diálise.
“Para muitas dessas pessoas, a taxa de mortalidade é tão alta quanto a de alguns tipos de câncer. E não pensamos duas vezes antes de usar novos medicamentos e fazer novos testes [em pacientes com câncer] quando isso pode levar a alguns meses a mais de vida”, disse Montgomery.
Estudos com órgãos de animais
Estudos de transplantes de animais para humanos – ou xenotransplante – remontam ao século 17, com tentativas frustradas de usar sangue animal em transfusões.
No século 20, cirurgiões tentaram transplantes de órgãos de babuínos para humanos. Um dos casos mais conhecidos ocorreu em 1984, quando a bebê Stephanie Fae Beauclair, conhecida como Baby Fae, viveu 21 dias com um coração de babuíno. Ela nasceu com um defeito cardíaco grave e tinha poucas chances de sobreviver.
No entanto, sem sucesso duradouro e com muita polêmica em torno do tema, os cientistas deixaram de lado estudos com primatas e se concentraram em porcos, mexendo em seus genes para unir a lacuna entre as espécies.
Os porcos têm vantagens sobre primatas. Eles são produzidos para alimentação, portanto, usá-los para transplantes de órgãos levanta menos preocupações éticas. Além disso, os porcos têm ninhadas numerosas, curtos períodos de gestação e órgãos comparáveis aos humanos.
As válvulas cardíacas de porco, por exemplo, têm sido usadas com sucesso por décadas em humanos. A heparina, que dilui o sangue, é derivada do intestino do porco. Enxertos de pele de porco são usados em queimaduras, e cirurgiões chineses já usaram córneas de porco para restaurar a visão.
Fonte: Deutsche Welle, emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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