Emerson Munduruku, a drag quenn ambiental da Amazônia
Nascido na Amazônia, o transformista Emerson Munduruku, de 27 anos, biólogo de formação, é um exemplo de artista conectado com a floresta. O seu alterego drag queen , Uýra Sodoma, foi pensado para ensinar sobre preservação ambiental.
O processo de transformação dura até uma hora. Vestido com uma saia até o tornozelo, quase sempre com o torso nu, pintada de amarelo, verde, ou vermelho, e usando uma coroa de folhas, ou flores, Uýra usa como expressão estética sementes, ramagens e outros materiais naturais que colhe antes de sua metamorfose.
Em evolução contínua, o resultado nunca é igual. Quase como uma extensão da terra, ou como um animal camuflado na floresta, ensina jovens de comunidades amazônicas a se conectarem com a natureza e a como protegê-la. “Em uma época de mudanças, eu me perguntei como queria trabalhar com a conservação ambiental. Antes eu fazia isso apenas da perspectiva científica, mas percebi que também era importante a perspectiva social. Até então, Uýra não tinha cara, não tinha nome”, diz Emerson, de 27 anos, em Manaus.
Segundo Emerson, Uýria Sodoma surgiu como resposta a violência física, a seus questionamentos e a convulsão nacional, quando o país se via as voltas com o impeachment de Dilma Roussef. “O Brasil estava vivendo um golpe. Houve muitas manifestações artísticas em toda Manaus, e eu me perguntava como acrescentar outras perspectivas ao meu trabalho. Era decisivo que Uýra existisse”, explicou Emerson, com tom de voz sempre suave e sorriso constante.
O biólogo Emerson estudava anfíbios e répteis, em espaços científicos. “Passei seis anos da minha vida trabalhando com sapos e lagartos (…) e um dia me agrediram ao sair de um bar por usar batom e delineador nos olhos. Ali senti na pele a violência. Comecei a me aproximar das mulheres, dos travestis, a entender mais sobre racismo, sobre LGBT-fobia. Eu me conectei com a cidade e com as pessoas”, contou. Ele esclarece, porém, que não vê sua evolução como consequência da agressão sofrida. “Nossas histórias costumam ser contadas de uma perspectiva de dor e uma metamorfose imediata. É importante, mas nossas histórias são muito mais complexas, parece que há uma dependência da dor para nos mudar”, afirmou. “Essas mudanças todas impulsionaram a existência de Uýra, e Uýra impulsionou minha vida. Ela me faz feliz, me fez lidar melhor com meu corpo e as pessoas e todos os meus desejos e angústias”, explicou Emerson, que não acredita em gêneros. “Tanto faz, masculino, feminino, só preciso que me tratem com respeito”.
A recepção das pessoas
“Uýra sempre é recebida com reações de encanto, ou de medo (…) Na cidade, quem se encanta se aproxima para conversar; mas, nas comunidades menores, inclusive quem sente medo, se aproxima. Não há distâncias, as interações são mais espontâneas, inclusive as crianças, curiosas, se aproximam”, relata.
Posicionamento político
“Vivemos um desmonte apelidado de reforma em todos os campos da sociedade brasileira, desmonte de articulações positivas, de direitos conquistados. A gente vive uma época de grave violência, terras e reservas indígenas que estão ameaçadas de invasão por acordos empresariais”, alerta, mudando o tom de voz.
Indagado sobre o futuro, Emerson sorri de novo e diz: “Embora o cenário de caos pareça só aumentar, vejo muito verde e esperança”.
Biografia
Emerson nasceu em uma pequena comunidade com menos de 40.000 habitantes no interior de Santarém, Pará. Aos seis anos, mudou-se para Manaus com seus pais e sua irmã mais velha. Desde então, vivem em uma ocupação na periferia da capital, entrecortada por dezenas de riachos e afluentes do Rio Negro.
Filho de empregada doméstica e de um vendedor, Emerson estudou graças ao sistema público. Apesar de pensar em fazer Letras na faculdade, um professor o incentivou a seguir Biologia, carreira que cursou fazendo trabalhos temporários e que prosseguiu na pós-graduação em Ecologia.
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