Como a Cúpula das Três Bacias pode avançar no financiamento da natureza

Como a Cúpula das Três Bacias pode avançar no financiamento da natureza

 

A Cúpula que será realizada em Brazzaville, República do Congo, entre os dias 26 e 28 de outubro, é a retomada de uma iniciativa de perfil semelhante realizada em 2011, também em Brazzaville. Na ocasião, governos, instituições internacionais, doadores, organizações de financiamento e especialistas técnicos e científicos discutiram a governança das maiores florestas tropicais do mundo.

A Cúpula desta semana será centrada em três temas: cooperação científica e técnica; governança; e estratégia comum para aumentar o financiamento e estimular investimento em projetos.

Espera-se que seja negociada uma Declaração da Cúpula, que deverá refletir os compromissos e as prioridades compartilhados entre os governos dos países com grandes florestas tropicais.

A sociedade civil vê esta Cúpula como uma oportunidade para que os governos dos países com florestas tropicais definam formas práticas de pagar pela proteção desses ecossistemas cruciais. Um bom resultado será visto em propostas que superem ferramentas de baixa integridade, como os mercados voluntários de carbono.

Por que as florestas tropicais são importantes?

É impossível cumprir o Acordo de Paris sem elas: as florestas tropicais têm o potencial de proporcionar cerca de um terço da mitigação climática.

Além de seu valor na captura e no armazenamento de carbono, as florestas tropicais desempenham um papel fundamental no resfriamento da superfície da Terra, nos ciclos hidrológicos e na regulação dos padrões climáticos locais e regionais.

Esses ecossistemas fornecem lares e recursos naturais que sustentam a subsistência de mais de 1,2 bilhão de pessoas em todo o mundo, inclusive sendo a pátria ancestral para comunidades indígenas que dependem delas para manter seus modos de vida..

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o desmatamento e a degradação florestal contribuem com 11% das emissões globais.

O mundo continua fora do caminho para reverter a perda de florestas até 2030, apesar dos compromissos recentes da COP26 (em 2021) e da COP15 da Convenção da Diversidade Biológica (CBD): Desde 1990, 420 milhões de hectares de florestas foram perdidos para a conversão de terras – uma massa de terra com o dobro do tamanho da Índia.

A expansão para a agricultura continua sendo o principal fator de desmatamento e degradação florestal, com a agricultura de larga escala contribuindo com 40% e a agricultura de subsistência de pequena escala sendo responsável por 33%.

Cúpula ocorre em momento crítico para as florestas tropicais

O dinheiro para a proteção e a restauração de florestas tropicais não está sendo suficiente para atender à ambição sinalizada

Durante a COP26, em Glasgow, 141 líderes mundiais assinaram a Declaração dos Líderes Mundiais de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, que se comprometeu a interromper e reverter coletivamente a perda de florestas e a degradação da terra até 2030. Sem mecanismos de responsabilização, financiamento e monitoramento, a iniciativa já é vista como mais uma promessa climática de fracasso iminente.

Estimativas sugerem que são necessários US$ 460 bilhões por ano para todos os tipos de proteção e restauração florestal em todo o mundo (não apenas para as florestas tropicais). Os cálculos de financiamento até 2022 são menos de 1% desse valor, com uma média de apenas US$ 2,3 bilhões por ano.

Os mercados voluntários de carbono não têm sido a bala de prata prometida para o financiamento florestal

A proliferação de empresas que estabelecem metas líquidas zero e fazem declarações de neutralidade de carbono aumentou exponencialmente desde 2019, ao mesmo tempo em que as expectativas de mercados voluntários de carbono para preencher a lacuna de financiamento para florestas aumentaram.

Uma análise de 2022 mostrou que o número de créditos relacionados a florestas emitidos no mercado voluntário cresceu, mas com a receita chegando a apenas US$ 1,3 bilhão dos US$ 460 bilhões de financiamento necessários.

Mesmo nos extremos mais altos das previsões, o financiamento que provavelmente será gerado pelos mercados voluntários ainda será uma fração do que é necessário, com o instituto Paulson projetando que o financiamento do mercado de carbono para a natureza como um todo (não apenas para as florestas tropicais) poderia ficar entreUS$ 24,9 e US$ 40 bilhões por ano até 2030, de uma lacuna de US$ 700 bilhões por ano no financiamento da natureza.

Investigações e pesquisas divulgadas desde então destacaram várias preocupações com a dependência dos mercados de carbono como solução de financiamento para as florestas:

A natureza é incrivelmente complexa, e há controvérsias científicas sobre a compatibilidade da troca de emissões contínuas de combustíveis fósseis por carbono armazenado por meio da proteção e restauração florestal.

Devido à falta de uma regulamentação robusta, há grande variação nos padrões, nas regras e nas linhas de base usados para medir a remoção e a redução de carbono. Isso permite que os desenvolvedores de projetos do mercado voluntário aumentem as estimativas de quanto carbono adicional está sendo removido ou reduzido por projetos florestais, corroendo a integridade dos negócios que estão sendo feitos.

Há casos relatados de corretores e desenvolvedores de projetos que ficam com a grande parte dos lucros do crédito, e uma quantidade mínima de dinheiro chega às pessoas e aos projetos no local. Isso aumenta o risco de as comunidades locais ou os povos indígenas não receberem um preço justo por seu papel no projeto ou na restauração de florestas.

Grilagem de terras e violações de direitos humanos têm sido associadas às vendas de compensação de carbono, com relatos de algumas pessoas que perderam suas casas e o acesso às suas terras. No ano passado, as novas regras do Artigo 6 da ONU foram enviadas de volta à prancheta de desenho para tratar adequadamente dos direitos humanos, e uma nova versão é esperada para a COP28.

A demanda por compensações voluntárias caiu em 2023, e a sociedade civil de todas as nações florestais do sul global tem exigido mais integridade dos líderes ao apresentar soluções de financiamento.

Como equacionar o financiamento florestal?

É provável que nenhuma fonte de financiamento resolva completamente a lacuna de financiamento para a natureza, mas há uma série de soluções que estão ganhando força entre acadêmicos, governos e ONGs, algumas das quais incluem:

O Artigo 6, a parte do Acordo de Paris que visa a governar os mercados globais de carbono, tem uma seção chamada Artigo 6.8 para mecanismos de mercado que não sejam de carbono. Até o momento, isso recebeu pouca força, mas a Cúpula da Amazônia, em agosto de 2023, viu a importância do Artigo 6.8 ser refletida na Declaração da Cúpula assinada pelos líderes da Amazônia. Isso envia um sinal de que o Artigo 6.8 pode ser uma prioridade agora ou no período que antecede a COP30, que será realizada no Brasil em 2025.

Na COP15 da Convenção sobre Diversidade Biológica, realizada em Montreal em 2022, as economias desenvolvidas se comprometeram a lançar um novo fundo chamado Global Biodiversity Fund, com o objetivo de mobilizar US$ 20 bilhões por ano até 2025. Até o momento, apenas 200 milhões de dólares canadenses e 10 milhões de libras esterlinas foram prometidos para cumprir esse compromisso.

Recentemente, acadêmicos divulgaram um relatório sugerindo que as empresas poderiam ser obrigadas a fazer pagamentos ao Fundo Global para a Biodiversidade com base em sua dependência ou impacto na natureza, substituindo mecanismos de mercado voluntários, como compensações de biodiversidade ou carbono, e criando um sistema regulamentado que traga financiamento privado para um fundo governamental.

O termo “bioeconomia” está ganhando força entre especialistas em finanças, acadêmicos e funcionários do governo. Isso significa, essencialmente, encontrar oportunidades de cadeias de suprimentos de base biológica, como pagamentos para exploração farmacêutica ou cuidados com a pele, que possam substituir as cadeias de suprimentos baseadas em combustíveis fósseis.

A sociedade civil africana está sugerindo fundos do tipo “Poluidores Pagam”, gerenciado por e para o país que requer o financiamento. Esse seria um mecanismo regulamentado, com o montante de financiamento exigido das empresas sendo reduzido na proporção da redução de emissões.

Nos últimos meses, foram iniciadas várias trocas em larga escala da Dívida por Natureza, que prevêem termos de pagamento da dívida mais favoráveis em troca de investimentos a serem feitos em metas específicas de proteção e restauração da natureza. A mais recente delas foi a de US$ 500 milhões feita com o Gabão.

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