Caso Larissa Manuela: entenda o que diz o Código Civil, a Lei das S.A e a Lei Maria da Penha
O caso da atriz Larissa Manuela poderia ser comparado, guardadas as devidas proporções, ao da cantora americana Britney Spears, que passou por um longo processo para tirar o controle das suas finanças das mãos do pai.
Larissa, que trabalha desde criança, também tinha os pais como empresários e, ao longo da carreira, diz que não teve acesso às suas finanças. Ela também disse que renunciou a R$ 18 milhões de seu patrimônio em favor dos pais para um acordo para tirar o controle da família.
Segundo Isa Gabriela Stefano, sócia do Fonseca Moreti Advogados, especialista em Direito de Família e Sucessões, doutora e mestre em Direito, o caso da atriz tem que ser analisado com cautela porque, de acordo com o artigo 1.689 do Código Civil, enquanto ela era menor de idade, isto é, antes de completar 18 anos, a legislação estabelece que cabe aos pais representarem e assistirem os filhos enquanto menores.
“Dentro dessa questão do artigo 1.689, os pais têm administração dos bens dos filhos e são usufrutuários legais desses bens. Isso quer dizer que os pais, enquanto os filhos são menores, podem usar, possuir, fruir e receber todas as vantagens que estão em favor do filho”, fala Isa Gabriela.
Sobre a renúncia da parte do patrimônio em favor dos pais, Stéfano Ribeiro Ferri, especialista em de Família e membro da comissão de Direito Civil da OAB/Campinas, diz que “considerando, hipoteticamente, a ocorrência de doação de quotas de uma sociedade empresarial pelo descendente aos ascendentes, é importante destacar que tal fato não afasta o direito sucessório, ou seja, bens doados poderão retornar ao descendente em forma de herança”.
Isa Gabriela reforça a cautela da análise com esse caso porque também houve a criação da pessoa jurídica. “Com relação à pessoa jurídica, temos que ver a ata ou o estatuto para conhecer a prestação de contas dos administradores”, diz ela.
Fernando Brandariz, especialista em Direito Empresarial e presidente da Comissão de Direito Empresarial da subseção Pinheiros OAB-SP, aponta que os administradores das sociedades têm o dever de diligenciar, de lealdade, e de informar. E se não o fizerem podem ser investigados.
“A não prestação de contas dos administradores para os sócios e a não realização de assembleia para aprovação das contas, são as principais irregularidades. O administrador não pode fazer tudo o que acha que deve fazer. Ele precisa cumprir o que está determinado no contrato social na cláusula de administração”, explica Brandariz.
Porém, segundo Isa Grabriela, é importante ressaltar que, apesar dos pais serem usufrutuários, eles são responsáveis por preservar o patrimônio de modo a não o onerar e diminuí-lo, eles não podem extrapolar o limite dessa administração. A utilização deve ser em prol dos menores e da entidade familiar.
“Eles podem usar o valor recebido por ela para sustento e para trazer vantagens em prol da família. Assim, ao verificar essa questão, nem tudo o que os pais gastaram é passível de prestação de contas ou a Larissa Manuela tem direito. Para que se possa determinar se ela tem direito ou não, deve ser feita, com muita cautela, uma demonstração da utilização do patrimônio, de acordo com o que rege o artigo 1.689 do Código Civil, e ser verificado com que foi feito esse gasto, qual a natureza dele”.
Sobre os atos praticados após a maioridade, diz Isa Gabriela, se ela assinou e participou deles, pode questionar eventualmente se houve indução ao erro para tentar anular essa questão, para tentar invalidar esses negócios realizados.
Na opinião de Brandariz, mesmo à época em que era menor de idade, se ela fosse sócia, como tal, os administradores da empresa, que poderiam ou não ser os pais, deveriam prestar contas.
Perguntado se há algum caminho para a atriz reaver os bens, Brandariz disse que “se os bens estão na empresa que a Larissa é sócia, não tem o que reaver. Agora, se estavam em nome da empresa, foram vendidos e os administradores não prestaram contas, ela, como sócia, poderá ingressar com ações contra os administradores para reaver o valor desviado”.
Além das questões afetas ao Direito Civil e à Lei da S.A., é possível que a situação de Larissa também tenha relação com o Direito Penal.
Vanessa Paiva, sócia do Paiva e André Advogados, advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, e Direito da Mulher, a criança só pode trabalhar com autorização judicial, e diz ser muito comum pais gerenciarem a carreira e os rendimentos.
“No caso de Larissa, após completar 18 anos, ela teria o direito de controlar seu patrimônio, e os pais devem administrar com responsabilidade o dinheiro que que criança ganha”, disse Vanessa concluindo que “querer ficar na administração, esconder os rendimentos ou se apossar do patrimônio pode configurar violência patrimonial, prevista na lei Maria da Penha”.
Fontes:
Isa Gabriela Stefano, sócia do Fonseca Moreti Advogados, especialista em Direito de Família e Sucessões, doutora e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP;
Vanessa Paiva, sócia do Paiva e André Advogados, é advogada Familista, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito da Mulher, mestra em Direito e professora de Direito de Família;
Stéfano Ribeiro Ferri, especialista em Direito do Consumidor, Saúde e Família, Assessor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP, membro da comissão de Direito Civil da OAB/Campinas,
Fernando Brandariz, especialista em Direito Processual Civil, Direito Empresarial, Direito Internacional e Law of Masters (LLM) pela Escola Paulista de Direito (EPD) e presidente da Comissão de Direito Empresarial da subseção Pinheiros OAB-SP.
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