Stephanie Fleury, 36, já estava cansada de levar calote de amigos na hora de dividir a conta quando, em 2015, durante uma viagem a Nova York, descobriu o Venmo, um aplicativo usado para a transferência de dinheiro entre amigos pelo celular. De volta ao Brasil, ela registrou o domínio para criar a DinDin e começou a planejar sua futura empresa. “Eu me apaixonei pela ideia, porque, dos eventos que eu organizava com amigos, eu sempre levava calote ou saía no prejuízo”, conta. Nesta semana, Stephanie anunciou a venda da DinDin, uma carteira digital e conta de pagamentos criada há quatro anos, para o Bradesco, um dos principais bancos do país. A operação é a primeira feita com startup fundada por uma mulher, segundo o banco.
Formada em administração de empresas pela PUC-Rio e com passagens por empresas do Brasil, da Jamaica e dos Estados Unidos, Stephanie tinha um problema para colocar a ideia em prática: faltava experiência com finanças e tecnologia. Foi então estudar o mercado e, um ano mais tarde, lançou a DinDin oficialmente em 2016. “Muita gente me disse que eu estava louca, que ia concorrer com bancos, empresas grandes, mas juntei todas minhas economias e resolvi insistir”, diz. A ideia era lançar um aplicativo que funcionasse como rede social e permitisse a transferência de valores com pessoas cadastradas na sua agenda telefônica. Mas os planos mudaram nos primeiros meses da empresa. Isso porque ela percebeu que o mercado no Brasil era diferente do americano, onde havia se inspirado.
Além de outro sistema de tarifas, o mercado mais atrativo no Brasil não era da geração Z, como são conhecidos os jovens nascidos nos anos 2000, mas o dos milhões de pessoas que não tem conta bancária. A saída foi partir para a criação de uma conta digital, oferecendo uma série de serviços, além de um cartão pré-pago. “Eu acho que nós chamamos a atenção de empresas como o Bradesco, porque a gente significa para eles uma economia de tempo, [que permite] saltar a curva de aprendizagem. Já passamos por vários problemas e temos certa expertise”, diz.
Enfrentando barreiras Stephanie Fleury é a primeira mulher a vender uma fintech, como são chamadas as startups de bancos digitais, para o Bradesco. Para ela, o feito é sinônimo de orgulho, já que gênero era um dos obstáculos na hora de conseguir investimentos e mostrar que o negócio tinha futuro. “O mercado de fintech, tal qual o financeiro, é muito masculino. O dinheiro vai mais para empresas lideradas por homens do que para as dirigidas por mulheres”, diz. “Eu já notei que, em algumas situações, gerava desconfiança o fato de eu ser mulher e parecem jovem. Então já cheguei a convidar amigos para participarem comigo de reuniões, porque percebi que seria melhor para o negócio”.
Em quatro anos de empresa, o maior obstáculo mesmo foi o dinheiro, ou a falta dele, o que faz com que muitas startups fechem nos primeiros dois anos de vida, a chamada “curva da morte”. “Você pode ter clientes, pode estar no caminho certo, mas o maior problema é ter caixa, porque às vezes ele seca e você tem que se virar. Eu já fiquei com R$ 8 na conta”, lembra. Nessa época, o alívio foi a mãe, que ganhou um carro em um sorteio e resolveu dividir o valor com Stephanie e o irmão. Só na fase inicial, a empresária já tinha investido pelo menos R$ 50 mil no negócio. Em 2018, a solução enfim parecia ter chegado. Naquele ano, a startup captou investimento de apenas 46 pessoas, através de outra fintecj brasileira, a Eqseed.
Foi uma captação recorde para a plataforma: R$ 600 mil em apenas 12 dias. O negócio prometia decolar, mas aí apareceu um contratempo. “O investimento estava na conta e no dia seguinte eu ia aplicar. Acordei e o Banco Central tinha pedido liquidação do Neon, onde estava o meu dinheiro. Eu me desesperei. Pensei ‘agora que eu consegui, ele vai ficar preso?'”, lembra. Apesar do susto, a operação não afetou o montante da DinDin.
A partir daí, as coisas realmente mudaram para a startup. Stephanie ganhou prêmios, foi indicada para representar o Brasil em uma competição internacional da empresa de cartões Visa para mulheres empreendedoras, até que no fim do ano passado foi procurada por representantes do Bradesco. “Quando você chama a atenção de um dos maiores bancos do país, pensa que realmente está no caminho certo”, diz. “Se eu soubesse que era tão difícil eu acho que não teria feito, mas ainda bem que eu não sabia”, brinca a empreendedora. “Então o meu conselho é: tem que acreditar, porque a gente pensa em desistir todo santo dia”, diz. “Também é muito importante fazer networking, além de estudar, estar preparada”.
As empresas fizeram o anúncio oficial da venda, na terça-feria, 6 de outubro. A partir de agora, a carteira de clientes da DinDin (cujo número não é divulgado pela empresa) deve ser migrado gradualmente para o Bitz, do Bradesco. “É um processo de desapego, porque você começa a ver o filho trocando de nome. Então desapeguei em prol do propósito de bancarizar mais pessoas e de forma mais rápida”. Por enquanto, ela seguirá como CEO da DinDin e diretora comercial do Bitz. A formalização da aquisição depende da aprovação do Banco Central e outras entidades reguladoras. O valor da transação não foi revelado.
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