Briga bilionária das famílias baianas Odebrecht e Gradin chega ao fim

Briga bilionária das famílias baianas Odebrecht e Gradin chega ao fim

Um caso que se arrastou por uma geração e chegou ao fim com o acordo assinado entre representantes das famílias Odebrecht e Gradin. Considerado o maior conflito societário do país, a disputa durou doze anos, cinco deles na justiça. Tudo se iniciou com na tentativa irregular da Kieppe de comprar a participação acionária de 20,6% da Graal no Grupo Odebrecht. No Superior Tribunal de Justiça, a Odebrecht, por meio da Kieppe Participações, tentava desqualificar o início da arbitragem, que estava prevista em contrato para resolver divergências. Na época Marcelo Odebrecht presidia a empresa, mas foi demitido pelo pai e substituído por Luciano Guidolin.

A Odebrechet tenta encontrar o caminho do sucesso com reestruturação dos seus vencimentos (homologada pela justiça em julho), como parte de compromisso com os credores e vai colocar a venda a Braskem.

A Gradin foi assessorada no caso pelos advogados Rannery Lincoln Gonçalves Pereira e Eduardo Ferrão, do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados e, do advogado Modesto Carvalhosa, do Carvalhosa e Eizirik Advogados.

Quando a disputa corria solta, muito antes de a Operação Lava-Jato alcançar o conglomerado, os herdeiros de Victor Gradin presidiam a Braskem e a Odebrecht Óleo e Gás, atual Ocyan. O grupo estava próximo de seu auge, alcançado em 2014, quando empregava mais de 180.000 pessoas e registrou uma receita superior a 100 bilhões de reais. Em 2012, os Gradin passaram a pedir 3 bilhões de dólares por sua participação no negócio e um laudo contratado do Credit Suisse, pela Odebrecht, apontava que o valor das ações seria, no máximo, de 1,5 bilhão de dólares. Sem consenso, a briga se estendeu e se espalhou.

O rolo foi crescendo de tal forma que já não se sabia mais se os Gradin eram credores ou ainda acionistas de ODBInv. Quando Marcelo Odebrecht disse ter direito de comprar e obrigar a venda, os Gradin se recusaram. Quando, mais à frente, afirmaram ter solicitado a venda, a Odebrecht disse que não aceitaria. E assim o caso seguida, consumindo horas e horas de advogados — além de recursos. Só no processo de recuperação judicial da Odebrecht, há mais de duas centenas de páginas e pedidos de bloqueio da família contra o grupo e também contra os bancos credores.

Acordo quase foi fechado em 2018

As famílias estiveram próximas de ser concluído foi no início de 2018, um ano e meio antes de a Odebrecht entrar em recuperação judicial. Pelo que estava em discussão há mais de dois anos, a família Gradin receberia 1 bilhão de reais, em parcelas. Agora, para esse acordo, o direito financeiro teve de ser incluído dentro do processo de recuperação judicial, pois os Gradin não podem receber nenhum dinheiro na frente dos demais credores dentro do plano de recuperação judicial, que reorganizou 55 bilhões em dívidas, de um total próximo de 100 bilhões de reais. Por enquanto, as partes estão mantendo o valor do acerto em sigilo, mas logo o dado deve se tornar público em razão do processo.

Quando o grupo entrou com pedido de proteção contra credores, a Graal, holding da família Gradin, tentou listar seu crédito, mas o juiz do processo em São Paulo não aceitou. Entendeu que ainda não havia um crédito constituído e que dependia de sentença arbitral — processo que nem sequer avançou, estava apenas instaurado.

 Para Gonçalves Pereira, trata-se de um importante precedente para os meios alternativos de resolução de conflitos. “A questão vencida por nós é também uma vitória da arbitragem decidida pelo STJ. O litígio agora sai do Judiciário e vai pra arbitragem”, explica.

Entenda a disputa Bilionária

Em 1991, quando a Construtora Norberto Odebrecht abriu seu capital e tornou-se uma empresa com ações negociadas em bolsa, foi constituída uma holding, a Odbinv, e os sócios da construtora viraram acionistas. A família Gradin, representada na sociedade pela empresa Graal Participações, detém 20,6% das ações da holding. Os Odebrecht, por meio da Kieppe Participações, detêm em torno de 62%. A origem da briga está no fato de a Kieppe, em 2010, ter feito uma oferta de compra da fração dos Gradin.

As participações de ambas as empresas da Odbinv são compostas por ações ordinárias (com direito a voto, mas sem preferência na compra de ações) e ações preferenciais (com preferência na compra de participação, mas sem direito a voto na assembleia). Em 2000, quando os acionistas da Odebrecht S.A. decidiram fechar o capital da construtora, o fizeram por meio de permuta de papeis com a Kieppe. Isso daria à empresa preferência no direito de compra de ações.

É esse direito a origem da disputa. Em 2010, a oferta da Kieppe pela fração da Graal na Odebrecht S.A. fei feita com base em uma avaliação feita pelo banco Credit Suisse. Pela conta feita nessa avaliação, os 20% dos Gradin equivaleria a US$ 1,6 bilhão. Os Gradin não quiseram vender, alegando que os Odebrecht estavam tentando “forçar seu direito de compra”.

Os Gradin citam uma cláusula do contrato de acionistas que diz que “dúvidas ou divergências surgidas deste Acordo de Acionistas deverão ser resolvidas por mediação ou arbitragem, nos termos da lei; exceto quanto ao previsto na cláusula oitava”. E os Odebrecht dizem que a cláusula oitava estabelece que, ocorrendo descumprimento das obrigações assumidas no acordo de acionistas, poderá a parte prejudicada obter decisão judicial para suspender ou cancelar registro de transferência de ações ou suprir a vontade da parte que se recusar a cumprir qualquer das obrigações assumidas no acordo.

Para os Odebrecht, a discussão sobre a entrega das ações não está englobada na cláusula arbitral do contrato. Para os Gradin, está. Eles dizem que a intenção da família Odebrecht nesse caso é rediscutir uma cláusula contratual assinada pelos membros da família que são acionistas. Afirmam que, do ponto de vista institucional, o que está em jogo é a própria arbitragem.

Diante da negativa dos Gradin, os Odebrecht foram à Justiça com um pedido de entrega das ações em troca do dinheiro. Grosso modo, foram pedir que o Judiciário ordene à Graal vender sua participação na holding. Os Gradin afirmam que o contrato é claro em estabelecer o juízo arbitral como foro para essas discussões, e por isso os Odebrecht não poderiam ter ido à Justiça. Primeira e segunda instâncias deram razão aos Gradin. No recurso especial apresentado ao STJ, a Kieppe (Odebrecht) reclama que o contrato foi assinado por todos os acionistas, inclusive os Gradin, e todos aceitaram as condições.

Inicio da sociedade Odebrecht e Gradin

Por quase 40 anos os negócios da família Odebrecht, controladora do sétimo maior grupo privado do Brasil,  com a discreta participação de outro clã baiano, os Gradin. Em 1974, o patriarca da família, Victor Gradin, então com 41 anos de idade e dono de uma empresa de importação e exportação e de um pequeno banco em Salvador, foi convidado por Norberto Odebrecht, fundador do grupo e à época com 54 anos de idade, a fazer parte do que até aquele momento não passava de uma construtora com atuação nacional.

O que se viu nos anos seguintes foi um misto de parceria nos negócios e o desenvolvimento de uma profunda amizade. Homem de confiança de Norberto, Victor tornou-se vice-presidente financeiro da empresa e participou de sua expansão na área química e no front internacional.

Paralelamente, tornou-se o maior acionista individual da companhia ao adquirir 10% das ações da Odebrecht na bolsa de valores durante os anos 70. (Essa participação viria a dobrar no início da última década.) A ligação entre Norberto e Victor era tão próxima que a convivência entre seus filhos e netos — tanto nas empresas do grupo quanto em eventos sociais — se tornou algo natural.

Início das brigas

A sociedade cultivada por Norberto e Victor durante décadas foi colocada em xeque no auge do desenvolvimento da Odebrechet, atuando em 20 países. A Graal, empresa que reúne as ações de Victor e seus três filhos (Bernardo, Miguel e Ana Maria), soma 20,65% de participação na holding que controla o grupo Odebrecht, um percentual que valeria algo em torno de 1,5 bilhão de dólares, segundo uma avaliação feita pelo banco Credit Suisse. De acordo com um documento enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cada um dos filhos de Victor tem uma fatia de 6,88% da holding — maior que a participação de quase todos os acionistas individuais da família Odebrecht (o clã fundador, reunido na empresa de participações Kieppe, atualmente soma mais de 20 membros com ações na holding).

A intenção da família Gradin era abrir espaço para a entrada de novos acionistas (sobretudo para executivos do grupo, que usariam seus bônus na compra de participações) — sem diluir sua participação, que hoje soma 62,92% do capital total da holding. Em entrevista exclusiva a EXAME, em 2011, Bernardo Gradin, primogênito de Victor e porta-voz da Graal, afirma que os sócios estariam pressionando a família a vender sua parte.“Não queremos sair da Odebrecht”, diz ele. “Estivemos com a empresa nos momentos difíceis. Queremos estar com ela nos bons também.” Procurada, a família Odebrecht preferiu não se manifestar.

A queda de braço já provocou algumas mudanças concretas no grupo. Bernardo, que ocupava a presidência da petroquímica Braskem, deixou o cargo em novembro do ano passado, após concluir que não chegaria a um acordo com Marcelo Odebrecht, neto do fundador, atual presidente do grupo e representante da Kieppe nas negociações.

Seu irmão, Miguel, que comandava a empresa de óleo e gás, seguiu caminho semelhante naquele mesmo mês. Aos 78 anos de idade, Victor Gradin continuou a fazer parte do conselho de administração da Odebrecht Investimentos, holding que controla o grupo. Em dezembro, veio o que seria impensável para uma organização normalmente discreta como a Odebrecht. A disputa extrapolou as salas de reunião e os corredores e chegou aos tribunais.

No dia 2 daquele mês, a Graal entrou com uma petição que solicitava a instauração de arbitragem na 10a Vara Cível de Salvador. O documento afirma que, “em 08/10/10, a ré (a Kieppe, dos Odebrechet) teria enviado correspondência à autora (a Graal) manifestando o exercício de opção de compra, sem, entretanto, indicar a condição justificativa de tal opção ou a quantidade de ações por esta abrangidas” e justifica o pedido de arbitragem alegando que a Graal tentou, “sem êxito, buscar solução consensual”.

A reação da Odebrecht veio em seguida. Um pedido de embargo à instauração da arbitragem e outro de contestação foram enviados à Justiça no dia 11 de janeiro. “Essa briga só pegou de surpresa quem está fora da empresa”, diz um ex-funcionário da Odebrecht, sob a condição de não ter seu nome revelado. “Há meses sabia-se que o clima estava péssimo entre o Bernardo e o Marcelo.”

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