Possíveis motivos

O anúncio do príncipe Harry e de sua mulher, Meghan Markle, de se afastarem de seus deveres como parte da família real britânica surpreendeu muita gente, mas a decisão foi precedida por diversos sinais — alguns deles públicos.

O casal divulgou um comunicado nesta quarta-feira, 8/1, no qual anunciam que deixarão de ser membros seniores da realeza britânica.

“Depois de muitos meses de reflexão e discussões internas, nós decidimos fazer uma transição neste ano, começando a desempenhar um novo papel progressivo dentro desta instituição.”

O casal, que teve recentemente um filho, Archie, afirmou ter objetivo de “trabalhar a fim de ser financeiramente independente”.

Além disso, disseram que dividirão seu tempo entre o Reino Unido e a América do Norte.

“Esse equilíbrio geográfico nos permitirá criar nosso filho com apreço pela tradição real na qual ele nasceu, mas também dará à nossa família o espaço necessário para nos concentrarmos em nossos próximos passos, incluindo o lançamento de uma nova entidade beneficente.”

Como chegaram a esse ponto?

A decisão do duque e da duquesa de Sussex foi tomada, como disseram, depois de meses de reflexão e debate dentro da família.

Mas só em outubro passado o público britânico teve informações sobre o pensamento do casal, por meio de um documentário da rede ITV produzido durante um tour deles pela África.

No material, Meghan afirma que a adaptação da vida real havia sido muito “difícil” e que não estava preparada para o nível de escrutínio intenso da mídia, apesar dos alertas dados por seus amigos britânicos de que os periódicos poderiam “destruir” sua vida.

Perguntada sobre como Harry lidava com a situação, Meghan afirmou: “Eu digo há muito tempo a H — é que o chamo —, que não é suficiente apenas sobreviver a algo, esse não é o objetivo da vida. Você tem que evoluir.”

No documentário, o príncipe Harry também descreve o estado de sua saúde mental e a maneira como lida com as pressões de sua vida como uma questão que exige “cuidados constantes”.

“Eu pensei que estava fora de perigo e, de repente, tudo voltou, e isso é algo que tenho de gerenciar. Parte desse trabalho significa ter de manter a compostura, mas, para mim e minha mulher, há muitas coisas (divulgadas pela mídia) que machucam, especialmente quando a maior parte não é verdadeira.”

Questionado sobre relatos da mídia sobre uma briga entre ele e o irmão, o duque de Sussex disse que “inevitavelmente, coisas acontecem” como resultado da “pressão sob a qual a família vive”.

“Somos irmãos. Sempre seremos irmãos. Estamos certamente trilhando caminhos diferentes no momento, mas eu sempre o apoiarei, porque sei que ele sempre me apoiará.”

O repórter da BBC para assuntos da realeza Jonny Dymond, afirmou que por trás da decisão do casal de se afastar havia “grande parte” do trabalho da família real que o casal “simplesmente não suportava”.

Segundo Dymond, “ambos pareciam ganhar vida no encontro com as multidões, mas Harry odiava as câmeras e ficava claramente entediado pelos cerimoniais”.

Perto do fim do ano passado, o príncipe afirmou que ele e Meghan processariam o tabloide The Mail On Sunday, acusado de publicar ilegalmente uma carta escrita pela duquesa — o veículo manteve sua decisão de publicar o material.

Ele acusou ainda o tabloide de enganar leitores ao publicar uma carta pessoal, omitindo estrategicamente parágrafos, frases e palavras específicas “para mascarar as mentiras que eles contaram por mais de um ano”.

“Perdi minha mãe e agora vejo minha esposa sendo vítima das mesmas forças poderosas”, declarou Harry à época.

Ao falar da morte inesperada de sua mãe, a princesa Diana, em 1997, ele disse: “Já vi o que acontece quando alguém que amo é tão mercantilizado ao ponto de não ser tratado ou visto como uma pessoa de verdade”.

Foi uma decisão em família?

A resposta mais provável a esta pergunta é “não”.

A BBC apurou que nenhum outro membro da realeza foi consultado sobre a decisão, nem mesmo a rainha Elizabeth 2ª ou o irmão, príncipe William, antes da divulgação do comunicado na quarta-feira.

Um porta-voz do palácio real afirmou à BBC que a família estava “decepcionada”.

Segundo ele, as discussões com o casal estão agora em um estágio inicial: “Entendemos seu desejo de adotar uma abordagem diferente, mas esses são problemas complicados que levarão tempo para serem resolvidos”.

Para Jonny Dymond, da BBC, a ausência de consulta prévia provavelmente causará estragos.

“Há claramente um abismo relevante entre Harry e Meghan, por um lado, e o resto da família real, por outro”, afirmou o jornalista.

Esta foi uma decisão sem precedentes?

Dickie Arbiter, ex-funcionário de comunicação do Palácio de Buckingham, comparou a decisão do casal à abdicação de Eduardo 8º em 1936, que deixou a coroa para se casar com a americana Wallis Simpson, que já havia se divorciado duas vezes.

“Esse é o único outro precedente, mas não havia nada como isso na história recente”, afirmou.

Para ele, a decisão mostra que o príncipe Harry está deixando “a emoção comandar a razão” e que o “massacre” da imprensa no nascimento do filho do casal pode ter tido papel importante na decisão.

Até agora, a publicação da decisão na conta de Instagram oficial do casal já recebeu mais de 1,4 milhão de likes e 80 mil comentários, divididos entre mensagens de apoio e críticas.

O apresentador de TV Piers Morgan culpou Meghan pela separação da família real e pelo afastamento entre Harry e o irmão William.

“As pessoas dizem que sou crítico demais com Meghan Markle, mas ela abandonou sua família, abandonou seu pai, abandonou a maioria de seus velhos amigos, separou Harry de William e agora o separou da família real. Não há mais nada a dizer”, escreveu Morgan.

A escritora e jornalista Caitlin Moran afirmou no Twitter: “É absolutamente justo que Meghan e Harry tenham decidido sair da arena, ganhar seu próprio dinheiro e se libertar do trabalho miseravelmente indefinido de ‘ser realeza’. Que outra decisão sensata eles poderiam ter tomado depois do ano passado?”.

“Harry já havia sido muito claro de que não queria trono, títulos, nada disso. Muito antes de Meghan aparecer em cena. E agora ele está suficientemente longe da linha sucessória para ir”, escreveu o escritor americano Mikki Kendall.

Harry é o sexto na linha de sucessão do trono britânico, depois do pai (príncipe Charles), do irmão (príncipe William) e dos três sobrinhos, filhos de William.

O que acontece agora?

O casal disse que dividiria seu tempo entre Reino Unido e a América do Norte, e também anunciou o lançamento de uma nova instituição de caridade. Mas o local e o objetivo da nova entidade não estão claros.

Durante o Natal, o casal se afastou temporariamente de suas funções reais para passar algum tempo no Canadá com seu filho, Archie, nascido em maio.

Após retornar ao Reino Unido, nesta terça (7), Harry, 35, e Meghan, 38, visitaram o Alto Comissariado do Canadá em Londres para agradecer ao país por recebê-los e afirmaram que o carinho e a hospitalidade com que foram recebidos foram “inacreditáveis”.

Quando atuava na série de TV americana Suits, Meghan morou e trabalhou em Toronto. É também o lar de seus amigos, Jessica e Ben Mulroney, descritos como um casal poderoso na cidade pela revista Toronto Life.

É provável que o Harry, Meghan e Archie passem um tempo também na terra natal dela — sua mãe, Doria Ragland, mora na Califórnia.

Em termos de carreira, o duque concentrou-se nos últimos anos nos esforços de conservação na África e na organização dos Jogos Invictus para membros das Forças Armadas que se feriram ou ficaram doentes.

Meghan, por sua vez, passou pelo Teatro Nacional britânico e pela organização beneficente Smart Works.

O casal afirmou que continuaria usando redes sociais — a conta do Instagram tem 10 milhões de seguidores — para compartilhar “momentos de suas vidas diretamente com o público”, sem intermediação da mídia que cobre oficialmente a família real